Desrespeito aos deficientes e idosos

A sentença, prolatada em uma ação movida pelo Ministério Público, foi rigorosa no sentido de determinar ao estabelecimento de ensino a realização de reformas. As alterações têm o objetivo de permitir estudar, em igualdade de condições com os demais alunos, aqueles que são portadores de deficiências, sejam elas de locomoção, sejam visuais ou auditivas. Ou que, pelo menos, tenham as suas dificuldades reduzidas.

 

 

É lamentável que somente através da ação do Ministério Público e da visão correta de um juiz, um estabelecimento de ensino seja forçado a dispensar o mínimo de atenção àqueles que enfrentam dificuldades diversas.

É lamentável, na medida em que, em países mais civilizados, as adaptações, de forma generalizada, são feitas espontaneamente pelos proprietários dos estabelecimentos, notadamente aqueles que têm o encargo de ministrar educação e cultura.

A minha experiência pessoal mostra que no Brasil não existe ainda, infelizmente, uma cultura de respeito ao deficiente físico e ao idoso.

Tenho alguns exemplos que bem ilustram o que afirmo.

Conheci aqui um casal brasileiro, que tinha uma filha, de aproximadamente 7 a 8 anos, vítima de paralisia cerebral. Escutei a mãe dizer que, diariamente, católica que é, rezava e fazia promessas aos santos, pedindo que o seu marido —que é um cientista— permanecesse aqui o maior tempo possível.

Isso porque, segundo ela, a filha foi aceita e freqüentava normalmente uma escola pública, absolutamente gratuita, onde recebia toda a atenção, não somente pedagógica, como relativamente a atendimento médico.

Segundo ela, no Brasil, apesar de viver em uma das maiores cidades do país, nenhuma escola admitia a sua filha e, se pretendesse que a menina recebesse algum ensinamento, teria que arcar com todos os custos, além daqueles de natureza médica. Obviamente, o casal não dispunha de recursos para tanto.

O outro exemplo envolve um conhecido jornalista, pai de um garoto portador de deficiência física, que não foi admitido em nenhuma das escolas que procurou, no Rio de Janeiro. Pior ainda: sequer foi aceito o oferecimento do pai, dizendo que arcaria com os custos totais da contratação de uma pessoa especializada para atender o seu filho na escola que o admitisse como aluno.

Ficou evidenciado o preconceito, deixando os dirigentes da escola transpirar que não pretendiam “misturar” o garoto deficiente com aqueles considerados “normais”.

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Em minhas andanças por São Paulo, encontrei dificuldades em alguns restaurantes e outros estabelecimentos de atendimento público, por conta da inexistência de instalações sanitárias acessíveis aos deficientes que não podem subir escadas.

Em conversa com uma amiga que mantinha vínculos profissionais com determinado partido político, fiz-lhe uma proposta, dizendo: se você conseguir que algum deputado ou vereador apresente um projeto e consiga transformar em lei a obrigatoriedade da existência de instalações sanitárias acessíveis aos deficientes, em quaisquer estabelecimentos de atendimento ao público em geral, comprometo-me a participar da próxima campanha política do parlamentar, trabalhando sem remuneração e, ainda, consigo que várias pessoas de minha família votem nele.

Para minha surpresa, poucos dias depois, a minha amiga e colega informou-me que a lei já existe no município de São Paulo. Existe a lei, sim! No entanto, muitos e muitos estabelecimentos não a respeitam, bem como não existe qualquer fiscalização ou punição aos infratores. Os prejudicados são os deficientes, que inclusive não têm a quem reclamar.

Não é diferente o atendimento dispensado aos idosos.

Existe até, recentemente aprovada e regulamentada, uma lei que instituiu o Estatuto do Idoso. São tantas as vantagens e até regalias previstas para os velhinhos, que cheguei a prever, aqui nesta coluna, que, se fossem de fato cumpridas as disposições do tal estatuto, o Brasil se transformaria no paraíso dos idosos. Haveria até o risco de uma corrida de idosos do mundo inteiro, uma invasão de velhos.

A realidade demonstra que as disposições do estatuto não saíram do papel e o Estado não adota as mínimas providências para ajudar os idosos, ou fazer cumprir o que instituiu.

O que se observa, por exemplo, apenas quanto a um dos menores problemas, é que as empresas de transporte interestadual não separaram assentos destinados a, pelo menos, dois idosos. Não me atenho ao descumprimento da lei, no que se refere à gratuidade das passagens daqueles dois idosos. É um ônus que o Estado não pode impor às empresas, sem contra-partida. No entanto, pelo menos seria de se exigir que os assentos fossem separados.

Mais absurdo ainda é o problema do transporte coletivo urbano. Habitualmente, os idosos são forçados a permanecer muito tempo nos pontos, vendo os ônibus passarem sem parar, simplesmente para não os transportarem gratuitamente. Param somente quando existem no ponto outros passageiros.

São muitos os casos e exemplos do total desrespeito aos deficientes e idosos.

É um problema cultural do povo. Compete ao Estado, no entanto, não somente difundir os ensinamentos quanto à necessidade de respeitar deficientes e idosos, como fiscalizar e fazer cumprir a legislação existente a respeito.

Surpreso, como disse, com a sentença prolatada em São Caetano do Sul, faço um apelo ao Ministério Público. Através de sua divisão incumbida do trato dos problemas relacionados aos deficientes e idosos, encete uma campanha e acione a Justiça, sempre que necessário —a necessidade é premente e constante— no sentido de forçar, pelo menos os estabelecimentos que atendem o público, a respeitar aqueles que têm limitações a enfrentar.

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Fonte: Última instância. Disponível Aqui. Dia: 10/11/2006.

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