Demência por Corpos de Lewy: um problema de saúde pública

Os sintomas da demência por Corpos de Lewy são semelhantes aos da doença de Alzheimer: perda de memória, desorientação e problemas para se recordar

Por Maria Amelia Ximenes (*)


A Demência por Corpos de Lewy (LBD) é uma das causas mais comuns de demência. Afeta mais de 1 milhão de indivíduos nos Estados Unidos e é responsável por até 20% a 30% de todos os casos de demência. As pessoas geralmente apresentam sintomas aos 50 anos ou mais, embora às vezes acometa pessoas mais jovens. É mais comum em homens, a incidência aumenta com o avançar da idade com prevalência em raças asiáticas, africanas e europeias. Uma história familiar de LBD e doença de Parkinson aumenta o risco de um paciente.

A LBD ainda é pouco conhecida e estudada no Brasil embora seja o terceiro tipo de demência mais comum, representando 10% dos diagnósticos, atingindo pessoas com mais de 60 anos.  

É uma doença associada a depósitos anormais de uma proteína chamada alfa-sinucleína no cérebro. Esses depósitos, chamados corpos de Lewy, afetam substâncias químicas no cérebro cujas mudanças, causam alterações no pensamento, percepção, compreensão, linguagem, movimento, comportamento e humor. Os primeiros sintomas são frequentemente confundidos com sintomas semelhantes aos encontrados em outras doenças cerebrais ou em distúrbios psiquiátricos, dificultando seu diagnóstico.

A LBD engloba duas entidades clínicas, a saber, a demência por corpos de Lewy e a demência da doença de Parkinson. Pois, tanto na demência por corpos de Lewy, como na demência da doença de Parkinson, há a formação dos depósitos arredondados anormais, os corpos de Lewy, nas células nervosas, resultando na morte das mesmas.

O que acontece é que na LBD há a perda progressiva da função mental, caracterizada pelo desenvolvimento de corpos de Lewy ao longo da camada mais externa do cérebro (substância cinzenta ou córtex cerebral). O córtex cerebral, que é a maior parte do cérebro, é responsável pelo pensamento, percepção, uso e compreensão da linguagem. Na demência da Doença de Parkinson, também há perda da função mental caracterizada pelo desenvolvimento de corpos de Lewy, só que eles tendem a se formar em uma parte do cérebro chamada substância negra, a parte que é afetada na doença de Parkinson. A substância negra está localizada no fundo do tronco cerebral e ajuda a tornar os movimentos suaves.

Dessa forma para diferenciar o LBD da doença de Parkinson com demência estabeleceu-se uma regra arbitrária de 12 meses: se o paciente tiver doença de Parkinson por 12 meses ou mais antes que qualquer comprometimento cognitivo seja notado, então o distúrbio é mais provável que seja doença de Parkinson com demência, porém se o período de tempo for menor, então o distúrbio é LBD. Na maioria dos casos de LBD, a demência precede os sinais motores, particularmente episódios de responsividade diminuída e alucinações visuais.

A LBD é uma doença progressiva, não há cura e tem uma duração média de cinco a oito anos do momento do diagnóstico até a morte, podendo variar de dois a 20 anos para algumas pessoas dependendo de fatores como saúde geral, idade e gravidade dos sintomas. Estudos relatam que após o aparecimento dos sintomas, as pessoas geralmente vivem em média cerca de 6 a 12 anos.

A causa exata do LBD é desconhecida, mas estudos sobre sua biologia e genética comprovam que o acúmulo de corpos de Lewy está associado à perda de certos neurônios que produzem dois importantes produtos químicos que atuam como mensageiros entre as células cerebrais, os chamados neurotransmissores. Um desses mensageiros, a acetilcolina, é importante para a memória e o aprendizado. A outra, a dopamina, desempenha um papel importante no comportamento, cognição, movimento, motivação, sono e humor. Quanto aos fatores de risco para desenvolver a LBD, sabe-se que a idade é considerada o principal fator, além de certas doenças e condições de saúde, particularmente a doença de Parkinson e o distúrbio comportamental do sono REM (último estágio do ciclo do sono, que dura cerca de 20 minutos cada e é nele que os sonhos acontecem).

Os sintomas da demência por corpos de Lewy são muito semelhantes aos da doença de Alzheimer. Incluem perda de memória, desorientação e problemas para se recordar, pensar, compreender, se comunicar e controlar o comportamento. Porém pode ser diferenciada pelos seus estágios iniciais: a função mental oscila, muitas vezes de forma dramática, ao longo de um período de dias ou semanas, mas às vezes de um momento para outro. Um dia as pessoas podem estar alertas e aptas a prestar atenção e conversar de forma coerente, e no dia seguinte podem estar sonolentas, desatentas e quase mudas olhando para o espaço por longos períodos.

Outra característica é que no início a atenção e o estado de alerta pode ser mais prejudicado do que a memória, incluindo a memória para eventos recentes. Os problemas de memória podem resultar mais da falta de atenção do que de problemas reais de recordação e só são mais perceptíveis mais tarde, conforme a demência avança.

As pessoas com LBD têm dificuldade de planejar, resolver problemas, lidar com tarefas complexas (como gerenciar uma conta bancária) e usar o bom senso (função executiva). A capacidade de copiar e desenhar pode ser prejudicada mais gravemente do que outras funções cerebrais. Sintomas psicóticos, como alucinações, delírios e paranoia também são mais comuns. As alucinações ocorrem mais cedo e geralmente são visuais, muitas vezes complexas, detalhadas, ameaçadoras e bizarras. Podem incluir animais reconhecíveis ou pessoas.

Assim como a doença de Parkinson, as pessoas com LBD têm os músculos rígidos, se movem de forma lenta e pausada, arrastam os pés ao andar e ficam curvadas. Há perda do equilíbrio e histórico de quedas. Os tremores são mais tardios e causam menos dano que na doença de Parkinson.

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Muitas pessoas com demência por corpos de Lewy têm distúrbio de comportamento do sono com movimento rápido dos olhos (REM). A pessoa com esse transtorno se movimenta fora de seus sonhos, às vezes ferindo seu(sua) companheiro(a).

Nos estágios iniciais, os sintomas podem ser leves e a pessoa com LBD tem vida funcional normal. Com o avanço da doença, necessitam progressivamente de mais ajuda devido ao declínio nas habilidades de pensamento e movimento. Nos estágios posteriores da doença, há dependência total de outras pessoas tanto para a assistência como para os cuidados. As pessoas com LBD morrem de múltiplas complicações, como quedas, imobilidade, complicações cardíacas, efeitos colaterais de medicamentos, pneumonia, problemas de deglutição e depressão que pode levar ao suicídio.

O diagnóstico e o manejo de pacientes com LBD é extremamente difícil e requer uma equipe interprofissional especializada desde o início, constituída por médicos (geriatra, psiquiatra, neurologista, gerontólogo), nutricionista, fonoaudiólogo, psicólogo, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta e demais profissionais incluindo grupos de apoio.

A educação do paciente, da família e do cuidador sobre os sintomas da doença e seu manejo é imprescindível. Compreender a doença ajuda a lidar com os desafios cotidianos. Os resultados para a maioria das pessoas com LBD são reservados e a qualidade de vida é ruim por isso a necessidade de mais investimentos em pesquisas e políticas públicas em saúde direcionadas as pessoas com esse tipo de demência. Pesquisas demostram que a maioria acaba em uma instituição de longa permanência, onde o tratamento ideal para as atividades básicas de vida nem sempre é fornecido.

A LBD pelo número de casos diagnosticados já é considerada um problema de saúde pública. Urge mais investimentos em pesquisa na busca de diagnósticos mais precisos e rápidos e tratamentos mais seguros e eficazes, principalmente com o número crescente de idosos a cada ano e a velhice ser o principal fator de risco para esse tipo de demência.

Saiba mais
https://www.unifesp.br/reitoria/dci/noticias-anteriores-dci/item/2817-demencia-por-corpos-de-lewy-um-alerta-de-saude-publica

https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/delirium-e-dem%C3%AAncia/dem%C3%AAncia-por-corpos-de-lewy-e-dem%C3%AAncia-da-doen%C3%A7a-de-parkinson#:~:text=A%20dem%C3%AAncia%20por%20corpos%20de,t%C3%AAm%20a%20doen%C3%A7a%20de%20Parkinson.

https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK482441/

https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/lewy-body-dementia/symptoms-causes/syc-20352025?p=1

https://www.paho.org/pt/noticias/2-9-2021-mundo-nao-esta-conseguindo-enfrentar-desafio-da-demencia#:~:text=2%20de%20setembro%20de%202021,2)%20pela%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20da

(*) Maria Amelia Ximenes – Graduação em Terapia Ocupacional pela UNIFOR, Doutorado em Ciências Sociais (Antropologia)emestrado em Gerontologia SocialpelaPUC/SP; Especialização em Psicologia da Saúde pela UNESP/Bauru, Especialização em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana pela ENAP; Especialização em Neurociências e Comportamento pela PUC/RS. É Servidora Pública Federal do INSS. E-mail: [email protected]

Foto destaque de Kindel Media


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