A delicada tarefa do “cuidar e do ser cuidado”

Escrever sobre a árdua tarefa do cuidar e do ser cuidado é para poucos. Na maioria das vezes apenas um dos lados é tratado, detalhes desta delicada relação são omitidos e os conflitos são abordados com dificuldade e superficialmente. Tratando de um tema que merece respeito e uma escuta atenta, a grata surpresa neste mês de setembro/2011 ficou para a matéria publicada pela revista época da repórter Cristiane Segatto, “Até onde a gratidão pode nos levar”.

 

 

a-delicada-tarefa-do-cuidar-e-do-ser-cuidadoNum comovente relato da história de vida da professora Nadir Gouvêa Kfouri, reitora da PUC-SP por dois mandatos consecutivos, de 1976 a 1984, a questão tratada é a complexa convivência entre idosos e cuidadores e os mistérios que uma relação tão delicada como essa pode guardar e revelar na passagem dos anos. Nas vidas destas duas grandes mulheres Nadir e sua cuidadora Cleusa, a nobreza tomou a frente e tornou-se protagonista de uma única história.

Nadir Kfouri, professora do Serviço Social, foi reitora da PUC de São Paulo num dos períodos mais sombrios da história brasileira – a conhecida invasão na universidade comandada pelo então coronel do exército Erasmo Dias em 22 de setembro de 1977. Sua presença, com o dedo em riste, junto ao então secretário da segurança pública, Erasmo Dias marcou indelevelmente a memória de todos que naquele momento eram detidos de forma truculenta no estacionamento em frente ao TUCA. Sua última visita à PUC-SP foi em 2002, quando compareceu à biblioteca do campus Monte Alegre, que leva seu nome.

Sob uma terrível pressão política e emocional, Nadir mostrou-se firme nos ideais que acreditava, manteve seus valores, demonstrando uma “coragem que a caracterizaria até o final da vida”. Segatto nos lembra da célebre frase da professora ao coronel Erasmo Dias “Nāo dou a māo a assassinos”.

Outra grande lembrança foi saber que essa “mulher de fibra – descrita pelas pessoas próximas como turrona, brava e, ao mesmo tempo, amorosa – foi a primeira mulher no mundo a dirigir uma universidade católica depois de ser eleita por alunos, funcionários e professores”. Nadir morreu no dia 13 de setembro, de pneumonia, aos 97 anos.

Mas a história continua, agora com a entrada da mulher que conviveu e cuidou de Nadir nos últimos 22 anos de vida – a empregada doméstica Cleusa das Graças Ribeiro Gomes, de 55 anos. Para Segatto, “a convivência entre essas duas mulheres nobres é uma inspiradora história de vida e merece ser conhecida”.

Cleusa chegou a São Paulo em 1989 para cuidar da mãe de Nadir, já muito doente. Com a morte da mãe, Nadir propôs que Cleusa continuasse trabalhando para ela. Nas suas palavras:

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“Fique aqui para cuidar de mim como cuidou da minha mãe”. Muito consciente, Nadir com 75 anos, sabia que em breve precisaria de uma cuidadora.

Como a vida é cheia de surpresas, uma criança passou a fazer parte dos seus dias. Sim, um menino, filho inesperado de Cleusa: “Ela disse que a criança era bem-vinda e me ajudaria a criá-la”. E, então, nasceu Tutu. Conta Segatto, que o menino é “hoje um garotão de 15 anos, educado e bom aluno, que foi registrado com o nome de Willian Ribeiro. Aos 82 anos, Nadir virou Tata”.

Uma vida que se mostrava sem grandes novidades, foi invadida por fraldas, mamadeiras e passeios. Tutu “passou a ser, ao mesmo tempo, filho e neto”. O amor de Nadir não tinha limites, era escrito, impresso no coração de Cleusa e do menino através de pequenos agrados: “De Tata para Tutuzinho”. Diz Tutu: “Para mim, ela foi vó, foi mãe, foi tudo”.

Segatto conta que há dois anos, a saúde da professora começou a fraquejar. Primeiro foi uma pneumonia, depois a perda quase completa da visão. As pernas foram enfraquecendo até que Nadir parou de andar. Cleusa cuidava dela o dia inteiro. Trocava fraldas, dava banho e comida na boca. Quando estava em casa, Tutu ajudava.

Acomodada na poltrona do quarto, Nadir pedia aos dois: “Não me deixem sozinha.”Algum tempo depois, recobrava um lampejo da autoridade dos velhos tempos e disparava: “Ei, vocês não têm mais o que fazer?”

Cleusa chora a dor da saudade, diz que perdeu mais que a patroa: “Parecia que não éramos patroa e empregada. Éramos amigas. Mãe e filha. Às vezes, duas crianças. “Brigávamos, pedíamos desculpas, ríamos”.

Quando terminei a leitura dessa matéria da repórter Cristiane Segatto, devo dizer que estava profundamente emocionada com o relato. Quem de nós poderá ser cuidado e cuidar com tanto amor, respeito e gratidão? Se dermos sorte, envelheceremos, e seremos muitos, tantos que a situação trará enormes desafios a todos nós. Creio que o essencial é pensar em desafios do coração, no difícil entendimento das nossas próprias fragilidades e limites. Saber quem somos, quem eu sou, quem é você e o que, juntos, podemos construir. Um longo aprendizado que leva tempo, exige tolerância e acima de tudo gratidão.

Segatto finaliza contando que no testamento, Nadir deixou o apartamento de três dormitórios para Cleusa e Tutu. “Não tinha intenção de receber herança”, diz Cleusa. “Fiz tudo de coração. O que interessa é o amor que ela tinha por mim e eu por ela.”

Referências

SEGATTO, Cristiane. (2011). Até onde a gratidão pode nos levar. Disponível Aqui. Acesso em 23/09/2011.
APROPUC-SP. (2011). Nadir Kfouri (1913-2011). Disponível Aqui. Acesso em 19/09/2011.
Imagens: Cristiane Segatto (ÉPOCA) e APROPUC-SP (arquivo).

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