Declaração do Rio “Além da Prevenção e Tratamento: Desenvolvendo uma Cultura do Cuidado em resposta à Revolução da Longevidade”

Nós, profissionais e instituições que trabalhamos com e para os idosos, reunidos no Fórum Internacional WDA (Rio de Janeiro 16-17 de outubro de 2013), uma iniciativa do Centro Internacional de Longevidade Brasil (ILC-BR) e da World Demographic Association (WDA), organizado conjuntamente pela Bradesco Seguros e UniverSeg, em associação com o Centro de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (CEPE) e parceiros da academia, governo, organizações da sociedade civil e as Nações Unidas, declaramos que:

Fórum Internacional WDA 

 

declaracao-do-rio-alem-da-prevencao-e-tratamento-desenvolvendo-uma-cultura-do-cuidado-em-resposta-a-revolucao-da-longevidadeCelebramos a longevidade e o envelhecimento populacional, que talvez sejam a maior conquista do século XX. No mundo, a expectativa de vida ao nascer aumentou em mais de 30 anos no último século. Esses anos adicionais devem agora ser “traduzidos em oportunidades para o século XXI” (1) para pessoas, famílias e sociedades. A cada segundo, duas pessoas no mundo comemoram seu 65o aniversário (2). Em um único século (1950-2050), o número das pessoas com 80 anos ou mais terá aumentado 26 vezes, de 14 milhões para 379 milhões (3).

A velocidade e o ritmo do envelhecimento populacional não são relativos apenas ao número de pessoas que chegam à velhice. Depende também, substancialmente, do número de crianças que entram na população. Fatores como urbanização, migração, maior igualdade entre os gêneros na educação e na participação do mercado de trabalho remunerado, tudo isso contribuiu para diminuir o tamanho da família. As taxas totais de fecundidade estão agora abaixo do nível de substituição em 75 países, e se estima que esse número dobre para alcançar 139 países em 2045-2050 (4).

À rápida transição demográfica segue-se, agora, uma compressão da transição epidemiológica, com as doenças não transmissíveis (DNT) tornando-se a causa mais prevalente de morte no mundo, apesar de a ameaça de doenças infecciosas ainda persistir em muitos países em desenvolvimento.

Cada vez mais, as pessoas em todo o mundo estão alcançando idades muito mais avançadas. Ainda que muitas delas levem uma vida ativa, um número cada vez maior exigirá cuidados para incapacidades produzidas por doenças que não podem ser curadas. As doenças crônicas são prolongadas e exigem um continuum de serviços de cuidados ao longo do curso de vida. A carga global da doença mudou, mas os sistemas de saúde ainda têm, em grande medida, seu foco voltado para a cura, e ainda não estão suficientemente orientados para proporcionar cuidados a todos os que precisam. Muito foi conseguido em termos de prevenção e tratamento; entretanto, para se acompanhar a revolução da longevidade há um imperativo que se impõe: o desenvolvimento de uma cultura de cuidado que seja sustentável, economicamente viável, feita com compaixão, e universal.

Nós entendemos que os contextos nos quais a provisão de cuidados se faz necessária são diversos culturalmente e estão mudando rapidamente. Redes familiares menores, mais complexas e geograficamente mais dispersas estão se tornando menos capazes de proporcionar cuidados sem ajuda adicional. Há uma crescente crise global de “insuficiência familiar”.

Nós, unanimemente, declaramos o quanto segue:

1. Nós sinalizamos a necessidade de uma mudança fundamental no paradigma e propomos a construção global de uma “cultura do cuidado” que coloque o indivíduo – tanto recebedor quanto provedor do cuidado – no seu núcleo e que promova o diálogo e a solidariedade intergeracional.

2. Nós reafirmamos os Princípios das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas (5) e endossamos totalmente a sua ênfase em independência, dignidade, autorrealização, participação e cuidados. Esses princípios devem servir de base para todas as ações voltadas para o cuidado.

3. Nós insistimos junto a governos, agências intergovernamentais, sociedade civil e setor privado que respeitem, protejam e garantam os direitos humanos das pessoas idosas, que podem ter reduzida a sua capacidade de efetivamente exercer esses direitos devido à fragilidade, declínio cognitivo, incapacidade ou isolamento.

4. Nós endossamos uma abordagem calcada nos direitos humanos porque ela enseja a oportunidade para formas igualitárias e não discriminatórias de serviços disponíveis, acessíveis, apropriados, economicamente viáveis e de boa qualidade, e que contenham mecanismos estruturais de monitoramento adequado para garantir a responsabilidade da sua prestação.

5. Reiteramos os compromissos estabelecidos pelo Plano de Ação Internacional de Madri em 2002 (6) na promoção do desenvolvimento das pessoas idosas, nos avanços de saúde e bem-estar até idades avançadas e em garantir ambientes seguros e propícios. Chamamos atenção especialmente para o parágrafo 61 do Plano de Madri: “A crescente necessidade de assistência e tratamento de uma população que envelhece exige políticas adequadas. A falta desse tipo de políticas pode causar importantes aumentos dos custos. As políticas que propiciam a saúde durante toda a vida, inclusive as de promoção de saúde e prevenção de doenças, a tecnologia de assistência, os cuidados para a reabilitação, quando indicados, serviços de saúde mental, a promoção de modos de vida saudáveis e ambientes propícios podem reduzir os níveis de incapacidade associados à velhice e permitir obter economias orçamentárias.”

6. Enfatizamos que: “o objetivo posterior é uma contínua assistência que vai desde a promoção da saúde e a prevenção de doenças até a prestação de atenção primária de saúde, tratamento de doenças agudas, reabilitação, [cuidados comunitários na atenção a doenças crônicas], reabilitação física e mental dos idosos, inclusive os incapacitados, e a assistência paliativa para os idosos que sofrem de doenças dolorosas ou incuráveis. A assistência eficaz aos idosos requer a integração dos fatores físicos, mentais, sociais, espirituais e ambientais.” (7)

7. Nós insistimos que todos os governos implementem seus compromissos com o Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento de Madri e que definam metas e objetivos nacionais e regionais a constarem da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 das Nações Unidas (8), de tal maneira que o cultivo de uma cultura do cuidado ao longo do curso da vida seja uma prioridade para o desenvolvimento internacional.

8. Reconhecemos que a revolução da longevidade exerce um impacto em cada etapa do curso de vida. Ela produz um efeito retroativo que modifica a definição e características de cada grupo etário. A longevidade aumentada significa que “a vida se torna mais parecida a uma maratona do que a uma corrida de velocidade” (9) e todos temos que nos ajustar.

9. Enfatizamos a importância da dimensão de gênero dos cuidados e realçamos a necessidade de se considerar a perspectiva de gênero em todas as políticas e práticas dos cuidados. Há necessidade de uma total reavaliação dos papéis sociais exercidos pelos gêneros ao longo do curso de vida. Dentro do contexto da revolução da longevidade, os homens em especial devem redefinir sua contribuição para a prestação dos cuidados, e todas as políticas de saúde e trabalho devem ser reconfiguradas em conformidade.

10. Chamamos atenção para o fato de que na maioria dos países as mulheres vivem mais, frequentemente sós, e com mais incapacidades e fragilidades. A maioria dos cuidadores são também mulheres; geralmente sem reconhecimento, sem apoio e sem formação ou treinamento para tanto. O cuidado delas exige uma atenção muito especial.

11. Nós sublinhamos o imperativo de identificar e erradicar todas as crenças, atitudes e comportamentos, tanto individuais quanto sistêmicos, que levem a abuso e negligência em todos os ambientes onde os cuidados sejam prestados. Todos têm a responsabilidade de desenvolver uma consciência relativa aos maus tratos a idosos, tanto nas suas formas mais insidiosas quanto nas mais aparentes.

12. Nós entendemos que o Marco Político do Envelhecimento Ativo da Organização Mundial de Saúde (OMS) (10) oferece uma abordagem importante para os direitos e necessidades das pessoas idosas. Os seus quatro pilares – saúde, educação continuada, participação e proteção – são referências úteis para garantir acessibilidade, adequação e qualidade dos cuidados em todos os ambientes onde sejam prestados.

13. Reconhecemos o valor e a contribuição do trabalho relacionado a comunidades e cidades amigas dos idosos, sob a liderança da OMS, no desenvolvimento de uma cultura dos cuidados. A qualidade dos cuidados e do apoio em um ambiente adequado é um direito fundamental de todo ser humano (11).

14. Realçamos a importância de se enfatizar os direitos e as necessidades de cuidados específicos das pessoas idosas no planejamento e resposta às emergências naturais ou decorrentes de conflitos que perturbam ou destroem lares.

15. Realçamos ainda que uma cultura de cuidados deve incluir uma perspectiva de cuidados crônicos que vá além da simples oferta de medicação. Enfatizamos os cinco elementos essenciais para a prestação do melhor sistema de cuidados: comunicação, continuidade, coordenação, integralidade, e ligações com a comunidade.

16. Reconhecemos que demência e fragilidade são desafios complexos do cuidar, que adquirem magnitude cada vez maior. Endossamos a Declaração de Cape Town sobre uma Resposta Global à Demência emitida pela Aliança Global dos Centros Internacionais de Longevidade (13).

17. Em consideração aos riscos e consequências de muitas doenças incapacitantes na velhice, nós chamamos atenção para o aumento sem precedentes de casos de cegueira e surdez passíveis de prevenção; questões críticas relacionadas à saúde que frequentemente requerem um diagnóstico precoce e acesso a tratamento e reabilitação economicamente viáveis.

18. Chamamos atenção para essas condições que são cada vez mais comuns, à medida que as pessoas alcançam idades muito avançadas e que podem ter um impacto significativo na sua qualidade de vida. Algumas, como a incontinência, são estigmatizadas e podem afetar gravemente a socialização, ao passo que outras, como problemas nos pés, podem ser prejudiciais à mobilidade, e igualmente reduzem a capacidade de manter relacionamentos sociais.

19. Nós observamos também que há necessidade de se promover uma pele saudável ao longo de todo o curso da vida, para mitigar efeitos danosos da exposição ao ambiente e para reduzir complicações resultantes de lesões cutâneas como escaras e ulcerações. Também reconhecemos como especialmente importantes os cuidados com a pele e a hidratação em pessoas idosas e a valiosa contribuição à prevenção de quedas o tratamento de doenças cutâneas dolorosas.

20. Enfatizamos que uma cultura de cuidados deve se estender até o final do curso de vida com a promoção dos cuidados paliativos, entendidos como um alívio completo e prevenção do sofrimento físico, psicossocial e espiritual, enquanto a pessoa estiver viva.

Chamada à Ação

Comprometemo-nos em promover uma cultura de cuidados holística – firmemente embasada no respeito à pessoa e aos mais elevados valores e princípios – em todos os fóruns nacionais e internacionais apropriados. Nós ainda instamos todos os governos, legisladores, profissionais, sociedade civil, pessoas idosas e organizações que os defendem, o setor privado e os meios de comunicação a investir, apoiar e realizar as seguintes ações:

Direitos das pessoas idosas

 Criar mecanismos para consultar os idosos sobre as suas necessidades de cuidados, para desenvolver e fortalecer cuidados formais e informais;

 Incluir plenamente os idosos em todos os níveis de tomada de decisão relativa aos seus cuidados.

Serviços de cuidados

 Promover o autocuidado e apoio às pessoas idosas no controle de suas condições de vida e saúde;

 Oferecer programas de respiro para cuidadores familiares e outros cuidadores;

 Formar e prestar suporte a grupos de autoajuda e outros serviços comunitários para dar apoio aos cuidadores informais;

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 Oferecer serviços de saúde mental bem elaborados, que incluam a prevenção, intervenção precoce, o tratamento e controle dos problemas relacionados á saúde mental;

 Proporcionar cuidados de fim de vida que sejam “low tech, high touch”, isto é, menos tecnologia e mais humanidade, cujo enfoque é o conforto e uma presença solidária enquanto a pessoa estiver viva.

Planejamento e realização do cuidado

 Utilizar evidências para apoiar a tomada de decisões quanto ao desenvolvimento de estratégias para cuidados integrais;

 Desenvolver planos de tratamentos baseados em evidências e apoiar provedores de cuidados para implantá-los nos diferentes ambientes onde os cuidados sejam proporcionados;

 Facilitar pesquisa sobre diferentes modelos e sistemas de cuidados;

 Implantar diretrizes e protocolos para embasar a tomada de decisões dos profissionais de saúde;

 Criar mecanismos de execução dos cuidados que indiquem claramente funções e responsabilidades a todos os envolvidos nos cuidados a uma pessoa;

 Estabelecer padrões de cuidados com mecanismos para monitorar e avaliar eficientemente os cuidados prestados em todos os ambientes, incluindo a residência;

 Desenvolver sistemas de informações clínicas que sejam oportunos, acessíveis e eticamente apropriados.

Educação e treinamento

 Fortalecer adequadamente a formação geriátrica e gerontológica dos profissionais de saúde em todos os ambientes onde os cuidados são prestados, iniciando-se na Atenção Básica;

 Proporcionar informações e treinamento continuado sobre os cuidados necessários aos idosos a cuidadores informais;

 Aumentar a conscientização sobre a saúde ao longo do curso de vida, incluindo a capacidade de os provedores de cuidados comunicarem-se efetivamente com as pessoas idosas;

 Aumentar a representação e o debate junto aos meios de comunicação para ampliar a conscientização da população sobre a necessidade de desenvolver uma cultura do cuidado em todos os níveis;

 Educar pessoas de todas as idades, incluindo cuidadores informais, para o enfrentamento do estigma do envelhecimento e o conhecimento dos direitos das pessoas idosas;

 Informar a população sobre as doenças relacionadas ao envelhecimento, inclusive os problemas de saúde mental.

Ambientes para uma Cultura do Cuidado

 Construir ambientes genuinamente amigáveis aos idosos, que estimulem cuidados de alta qualidade, proporcionados por cuidadores formais e informais;

 Oferecer e informar sobre opções de moradia que sejam economicamente viáveis e que estimulem a independência, autorrealização, participação, dignidade e cuidados de alta qualidade;

 Eliminar barreiras físicas, sociais e econômicas aos cuidados de alta qualidade;

 Estabelecer sistemas que garantam uma renda adequada, a fim de permitir às pessoas que necessitam de cuidados que façam as escolhas adequadas.

Pedimos às pessoas que reflitam sobre as dinâmicas das realidades alcançadas pela revolução da longevidade e as convidamos a participar de uma jornada na busca de uma cultura do cuidado realmente global.

Notas

1 Kalache, A, 2013. The Longevity Revolution: Creating a Society for all Ages. Adelaide: Government of South Australia.

2 HelpAge International and UNFPA, 2012. Ageing in the Twenty-First Century: A Celebration and a Challenge. London and New York, p. 12.

3 United Nations Department of Economic and Social Affairs, 2013. World Population Ageing, 1950-2050. Disponível Aqui

4 United Nations Population Division, 2013. World Population Prospects: The 2012 Revision, p. 11ff.

5 United Nations General Assembly, 1991. Principles for Older Persons. Disponível Aqui

6 United Nations, 2003. Madrid International Plan of Action on Ageing, para. 61. Disponível Aqui

7 United Nations, 2003. Madrid International Plan of Action on Ageing, para. 69. Disponível Aqui

8 United Nations Economic and Social Council, Millennium Development Goals and post-2015 development goals. Disponível Aqui

9 Kalache, op. Cit., p. 15.

10 WHO, 2002. Active Ageing: A Policy Framework. Geneva: WHO.

11 International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights, 1976. Art. 12; Committee on Economic, Social and Cultural Rights, General Comment No 14, paras 1 and 12.

12 WHO, 2001. Innovative Care for Chronic Conditions, Meeting Report. Geneva: WHO.

13 International Longevity Centre Global Alliance, 2010. Cape Town Declaration on a Global Response to Dementia. Call to action. Disponível Aqui

14 O termo “cuidador informal” se refere às pessoas que prestam o cuidado no contexto de relacionamentos pessoais, como familiares, amigos ou vizinhos. Diferentemente do “cuidador formal” inserido no contexto de uma ocupação paga, ainda que voluntária. Nesse caso, o sentido de cuidado “informal” não significa que ele seja casual ou economicamente irrelevante.

Fonte: Acesse Aqui

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