Dança, uma experiência de vida

Dança, uma experiência de vida

A Dança Sênior é uma modalidade de dança que pode ser realizada em pé ou sentado. É feita em grupo, e até cadeirantes podem participar. São coreografias específicas acompanhadas por músicas geralmente compostas para cada dança. É bem apropriada para pessoas com mais idade, pois integra o grupo além de melhorar a força muscular, coordenação motora, postura e flexibilidade.

Maria Aglaê Alves Pereira (*)


Há um ano perdi meu pai. Estava doente há meses, diagnosticado com câncer avançado na próstata, que resultou em problema renal grave, e causou sua morte. História triste, mas muito comum entre os homens, principalmente nos que se recusam a fazer exame de próstata. Como eu era a única dos quatro irmãos disponível para ajudar nos cuidados de meu pai, acabei assumindo a responsabilidade de levá-lo às consultas e às intermináveis internações. Eram momentos de muito sofrimento. E não víamos melhora. Mas algo aconteceu que acabou me aproximando de meu pai, e pudemos compartilhar momentos de alegria e esquecer um pouco a dor que a doença trouxe à toda família. Começamos a dançar.

Eu havia feito um curso de Dança Sênior meses atrás, e iniciava um trabalho em residenciais para idosos. Cada semana levava um material diferente: garrafas pet cuidadosamente decoradas, lenços coloridos de tule, maracás, pandeiros, enfim, tudo aquilo que aprendi a utilizar no curso para executar a Dança Sênior e tornar nossos momentos cheios de cor e sorrisos.

Percebia que meus pais – porque minha mãe também participava – aguardavam ansiosamente minha chegada todos os sábados de manhã para fazer a “dancinha”, como eles chamavam a Dança Sênior. Debaixo da pitangueira estávamos lá: meu pai na cadeira de rodas, minha mãe e eu nas cadeiras. Dançávamos no quintal. De vez em quando colhíamos uma pitanga ou catávamos do chão, nos distraindo por alguns instantes. Mas logo retomávamos a dança. Ríamos, brincávamos naquela dancinha, como meus pais chamavam a dança sênior, e nos deixávamos amar e ser amados, e por algum tempo esquecíamos o sofrimento que a doença nos causava.

A Dança Sênior é uma modalidade de dança que pode ser realizada em pé ou sentado. Ela é feita em grupo, e até cadeirantes podem participar. São coreografias específicas acompanhadas por músicas geralmente compostas para cada dança. Em alguns casos de origem folclórica alemã. Hoje já existem melodias do cancioneiro popular adaptadas para este fim. É uma dança bem apropriada para pessoas com mais idade, pois integra o grupo além de melhorar a força muscular, coordenação motora, postura e flexibilidade, além de melhorar o sono e bem estar geral.

Conhecendo seus benefícios, enquanto foi possível, pratiquei com meus pais, e mesmo que por pouco tempo tenho certeza de que foi muito prazeroso para todos nós. Durante os dez meses em que lidei bem de perto com a decadência de meu pai, refugiei-me na dança.

Depois que me aposentei, em 2016, comecei a frequentar os famosos bailes da terceira idade. Desde então, tenho conhecido vários idosos e idosas dançarinos, e me surpreendo a cada dia com sua vitalidade. É um prazer assistir a essas pessoas com suas belezas tão singulares, dando sentido às suas vidas rodopiando pelos salões. Alguns jovens casais, amantes de dança de salão também frequentam esses bailes e, claro, os “personal dance” que podem ser contratados pelas damas desacompanhadas para dançar. As festas comemorativas, principalmente os aniversários, são um ponto alto dos bailes. Nelas podem ir os filhos, netos e outras pessoas que não costumam visitar habitualmente.

Quando comecei a frequentar os bailes, confesso que tinha lá meus preconceitos. Afinal, eu tinha 52 anos, um pouco abaixo da faixa etária dos frequentadores dos bailes, cujas idades variam entre 60 a 80, mas podem ultrapassar os 80. Num desses bailes conheci o mais charmoso e talentoso bailarino de todos com seus 76 anos. Eu sempre o via dançando com outras “damas” e o chamava de bailarino perfeito, mas para mim, inacessível. Até que um dia, por acaso, ele me convidou para dançar. Desde esse dia, nunca mais paramos. Com ele aprendi a dançar bolero, salsa, cha-cha-cha, rumba, samba e outras modalidades. Juntos nós treinamos, estudando as figuras, assistindo aos DVD’s, trocando ideias e praticando nos salões. Dançamos quatro vezes por semana, uma média de três horas por dia. Percebi que não há diferenças entre nós porque amamos a dança, temos sintonia e fazemos tudo o que qualquer casal faz. Dançar dá sentido às nossas vidas. Nunca falamos sobre nossa diferença de idade, não temos tempo a perder com estereótipos. Vivemos cada dia como se fosse o último, com prazer e entusiasmo. Não pensamos como será o amanhã, apenas vivemos intensamente o presente. Foi um encontro de almas e essas, não têm idade.

Hoje percebo que a velhice pode ter várias faces. Pode ter aquela do sofrimento, causado pela doença, ou aquela da busca pelo prazer e satisfação enquanto há vida. Também há aquela em que não deixamos de ser velhos, mas aproveitamos nossa existência para aprender algo novo e dar outro sentido à vida. A vida acontece, ela está acontecendo agora. Pensar na finitude da vida é entender que é porque morremos que a vida tem sentido.

Nietzsche, em seu livro “Assim falou Zaratustra”, nos faz refletir sobre as escolhas que fazemos na vida. Podemos escolher entre “usufruir a vida” ou “sermos usufruídos” por ela. Ou seja, viver o melhor possível, aproveitando todos os momentos ou viver um “eterno devir” que pode nunca chegar. Porque a morte, certamente vem na hora certa.

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Compreendi que o ciclo da vida (infância, adolescência, maturidade e velhice) não é apenas uma sequência de anos acumulados. É uma questão cultural e temporal. Durante a história da humanidade a velhice foi entendida de várias maneiras diferentes. Somente após a Revolução Industrial o termo velho passou a ter o sentido que entendemos hoje. Com a necessidade do aumento da força de trabalho, jovens, inclusive mulheres, passam a exercer novas funções nas fábricas, pois no trabalho capitalista industrial o velho não se encaixa. Então velhos, por sua vez, passam a ficar em casa, pois se entende que os mesmos não estão aptos às novas demandas de mão de obra dos grandes complexos industriais. Essas mudanças irão alterar a estrutura da sociedade e consequentemente das famílias. Hoje, com o crescente aumento da expectativa de vida das pessoas, devido à disponibilidade e o desenvolvimento de vacinas, remédios, alimentação, cuidados com o corpo, dentre outros, há um desafio para a sociedade. Essa, tem que se preparar e enfrentar, nos próximos anos as consequências do aumento da população de velhos no mundo. A velhice é um fenômeno da condição humana. Se não morrermos cedo, certamente seremos velhos.

De acordo com Pellissier, em breve todas as faixas etárias serão igualmente representadas numericamente. Isso significa que as políticas públicas que hoje existem não serão satisfatórias para garantir os direitos humanos de todos, e consequentemente dessa crescente população de velhos. Essas políticas terão que ser ampliadas, cada vez mais garantindo condições de bem estar, saúde e a inserção de todos, em todos os campos da sociedade. Mas também é preciso agir contra as desigualdades sociais, para que todos possam ter acesso a sistemas que promovam a saúde plena, não só física, mas também acesso aos bens culturais, ao lazer, à segurança. A velhice é uma das etapas da vida e, portanto, fragilidades, dependência e perdas fazem parte do humano, não sendo características só da velhice. Esta deve ser entendida como parte do processo de vida, e não como doença. Se nos preocuparmos com a vida humana, certamente estaremos cuidando da velhice.

Ao ler o livro “Tentativas de fazer algo da vida”, de Hendrik Groen, fica claro que mesmo vivendo numa sociedade com muitos recursos, as pessoas têm a necessidade de procurar um sentido para a vida, mesmo que sejam velhos numa casa de repouso, aparentemente tranquilos e bem cuidados. O ser humano pulsa e vibra por cada sonho, cada conquista, e precisa aceitar a morte como algo inevitável.

Referências

GROEN, Hendrik. Tentativas de fazer algo da vida. Editora Planeta do Brasil, 2016.

PELLISSIER, Jérôme. Com Que Idade Nos Tornamos Velhos?. Le Monde Diplomatique-Brasil, 2013. Disponível em: https://diplomatique.org.br/com-que-idade-nos-tornamos-velhos/

(*) Maria Aglaê Alves Pereira  –  Graduada em Pedagogia, habilitação em Supervisão do Ensino Fundamental e Médio, pelo Centro Universitário Nove de Julho; Habilitação Administração Escolar 1º e 2º graus, perla União das Faculdades Francanas; Licenciatura em Educação Física pela Organização Santamarense de Educação e Cultura. Fez Danças Circulares em cadeiras; Curso Progressivo B de Dança Sênior e Geronto-ativação com idosos em grupos; e Curso Básico de Dança Sênior e geronto-ativação com idosos em grupo. Atualmente é professora de dança no Residencial Cora (Unidades Vila Lobos, Higienópolis, Jardins, Campo Belo). Texto escrito para o Curso de Educação Continuada em Fragilidades na Velhice: Gerontologia Social e Atendimento, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no primeiro semestre de 2019. E-mail: [email protected]
Foto: Marcelo Martins/divulgação


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