Controlar para que não “inventem moda” ou “não façam arte” é infantilizar

Frequentemente ouvimos falar que idosos se comportam como crianças e, portanto, não podem ficar sós. E se não há quem os acompanhem, não devem sair de casa. E se não saem de casa, devem ser supervisionados porque precisam rotinas atendidas por alguém. Assim, voltamos ao início: precisa de cuidado e controle sobre o ir e vir. Normalmente essa é uma decisão de quem deseja o melhor para seu parente idoso, mas nem sempre há o exercício da empatia, ou colocar-se no lugar dele e, portanto, começa a infantilização.

Maria Luisa Trindade Bestetti *

controlar-para-que-nao-inventem-moda-ou-nao-facam-arte-e-infantilizarComo professora no curso de Gerontologia da USP, tenho aprendido muito com os estudantes sobre as questões fundamentais que permeiam o trabalho de gestão do envelhecimento e da velhice. Para isso, é preciso ter conhecimentos básicos de diversas disciplinas para que seja possível dialogar com os profissionais de cada área para, então, elaborar os planos de ação que permitam o gerenciamento. Sendo multidisciplinar, envolve aspectos biológicos, psicológicos e sociais, numa equação complexa que envolve o indivíduo e o contexto físico e emocional ao seu redor.

Aprendi que é preciso refletir sobre mitos e estereótipos da velhice, em geral estabelecidos pelo senso comum daquilo que penso ser igual para todas as pessoas e, claro, desconsiderando que cada indivíduo é único. Já falamos sobre como temos valores amalgamados pela nossa história, recheada de cultura adquirida pelas relações sociais.
Mas frequentemente ouvimos falar que idosos se comportam como crianças e, portanto, não podem ficar sós. E se não há quem os acompanhem, não devem sair de casa. E se não saem de casa, devem ser supervisionados porque precisam rotinas atendidas por alguém. Assim, voltamos ao início: precisa de cuidado e controle sobre o ir e vir. Normalmente essa é uma decisão de quem deseja o melhor para seu parente idoso, mas nem sempre há o exercício da empatia, ou colocar-se no lugar dele e, portanto, começa a infantilização com atitudes de controlar para que não “inventem moda” ou “não façam arte”.
Por mais que a supervisão seja uma decisão fundamentada no amor, é preciso verificar os limites dessa intervenção. Liberdade é bom e todos gostamos, especialmente quando pressentimos que estamos vivendo o final da vida. Se até às crianças permitimos que alguns excessos sejam um caminho para o aprendizado, o que dizer sobre o sentimento de quem já aprendeu e passa a ter limites pelo seu próprio corpo?
Quando dizemos que as janelas são aberturas para ver as transformações da natureza e da sociedade, significa que a liberdade pode ser exercitada a partir das próprias decisões, mesmo correndo riscos. Calçadas irregulares, escadas mal dimensionadas, travessias difíceis e ausência de segurança pública não deveriam ser elementos constrangedores mas muitas vezes acabam sendo, especialmente quando há estímulo para que o medo aumente e haja desistência de experimentar os espaços públicos.
A moradia pode ser um lugar significativo para a ousadia de sentir-se livre apesar de algumas limitações sensoriais ou motoras. Cozinhar, plantar (mesmo em vasos), praticar habilidades, cuidar de si e de suas roupas, além de outras possibilidades, pode garantir a autonomia e, consequentemente, a felicidade. Podemos fazer descobertas importantes em qualquer momento da vida, por que não? A maturidade traz o filtro para dosar nossos limites, precisamos viver intensamente tudo que o corpo e a mente permitirem.

* Maria Luisa Trindade Bestetti é arquiteta e pesquisa sobre as alternativas de moradia para idosos no Brasil, especialmente sobre a habitação mas, também, o bairro e a cidade que a envolvem. Ser modular significa harmonizar todas as etapas da vida, atendendo desejos e necessidades. Saiba mais Aqui 

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