Como exterminar velhinhos

O argentino Adolfo Bioy Casares abordou a alteração dos tempos em seu romance Diário da guerra do porco, de 1969 Adolfo Bioy Casares (1914-1999) passou aos anais da literatura argentina como a sombra de Jorge Luis Borges. Bioy seguiu tão lealmente seu parceiro que, dizem, aquele que é considerado seu melhor livro – o romance A invenção de Morel, de 1940 – teria sido reescrito por Borges. O certo é que Borges redigiu um prefácio à obra. Nele, afirma que o jovem pupilo fundou um novo gênero em uma narrativa – mescla de especulação filosófica e ficção científica – “perfeita”. A declaração tanto ajudou a glorificar o livro como a ofuscar os que viriam. Depois de Morel, Bioy escreveu dezenas de volumes, alguns em parceria com Borges, e oito romances, três deles após a morte de seu mestre, em 1986. No entanto, nenhum de seus esforços se equiparou à Invenção de Morel.

O que mais se aproximou dela foi o romance Diário da guerra do porco (CosacNaify, 204 páginas, R$ 55, tradução de José Geraldo Couto), que chega ao Brasil com quatro décadas de atraso. A desatenção para com a obra madura de Bioy pode ter retardado as traduções de seus livros. A edição conta, na quarta capa, com um texto de Rubem Fonseca. Ele diz preferir O diário da guerra do porco a Morel, porque “o escritor fala do compromisso que o ser humano tem com a vida” e “do dever de enfrentar a morte e a velhice e o desprezo da sociedade e o desdém e a violência dos jovens”. A comparação soa exagerada. O diário… pode conter as virtudes citadas, mas não ombreia com a fantasia de Morel. Mesmo assim, trata-se de um romance repleto de achados, em especial no plano alegórico.

A cena transcorre em Buenos Aires. Lá vive o herói Isidro Vidal. Ele tem quase 60 anos e mantém a vida sexual ativa, mas se comporta como ancião. Mora num cortiço e passa os dias jogando truco com os amigos. Eles demoram a descobrir que os jovens promovem uma rebelião contra os “porcos”, como chamam os velhos. Fazem tumulto e lincham seres que julgam repulsivos. Don Isidro e sua turma buscam um esconderijo. Ali, conscientes de seus defeitos, remoem a situação. Diz um deles: “O que me aborrece nessa guerra ao porco (…) é o endeusamento da juventude. Estão como loucos porque são jovens”. Outro: “Nesta guerra os garotos matam de ódio pelo velho que um dia vão ser. Um ódio bastante assustado…” O clima sufocante aos poucos resulta em farsa. Publicado em 1969, o livro exibe uma fábula sobre a revolução da cultura jovem dos anos 60, que então pegava os mais velhos de surpresa. Lido hoje, vale como provocação e uma ironia. Afinal, a geração que odiava os velhos em 1968 chegou à terceira idade

Fonte: Disponível Aqui

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