Comentários sobre a violência contra a pessoa idosa

Comentários sobre a violência contra a pessoa idosa

Nos últimos sete anos, após um crescimento significativo do número de denúncias sobre a violência contra a pessoa idosa, é possível atribuir à divulgação uma tendência de estabilização em ascensão. Assim, nos últimos três anos, o número absoluto de denúncias à ouvidoria variou entre 32.238 em 2015 para 33.133 em 2017. 

 

O Brasil insere-se em uma das regiões consideradas dentre as mais violentas do mundo: a América Latina e Caribe. Trata-se de região formada por um conjunto de países que se assemelham pelas condições sociohistóricas, culturais e linguísticas, caracterizados por marcantes desigualdades socioeconômicas.

Os países que compõem a região são divididos, segundo a comparação com as taxas de homicídios mundiais em três conjuntos: taxas homicídio abaixo da média, acima e idênticas a estas médias. No primeiro conjunto, encontra-se o Brasil.

Há uma violência considerada normal, cotidiana, que não é sentida ou percebida, e outra extraordinária, gratuita, patológica ou excessiva. Esta última é a noticiada, destacada, declarada como insólita. Mas é importante salientarmos que não se tratam de violências distintas e sim de diversas faces da mesma moeda e que estas últimas, extraordinárias, não teriam acontecido se não ocorresse tolerância social para com as demais. Observa-se que os atos mais violentos, em muitos casos, são condutas socialmente permitidas e inclusive estimuladas.

Neste cenário, surge a violência contra os idosos, fenômeno complexo e que pode ocorrer em múltiplos cenários (familiar, institucional, social) e de múltiplas formas (física, psicológica, econômica, dentre outros). Em todos os países da América Latina e Caribe houve avanços em leis de proteção de direitos à criança, adolescente, mulher e idosos, principalmente com legislações que, cumpridas, devem determinar (e já determinam) diminuição da violência.

Nos últimos sete anos, após um crescimento significativo do número de denúncias, é possível atribuir à divulgação uma tendência de estabilização em ascensão. Assim, nos últimos três anos, o número absoluto de denúncias à ouvidoria variou entre 32.238 em 2015 para 33.133 em 2017. A negligência permanece sendo o tipo de violação mais frequente, seguido pela violência psicológica e abuso financeiro, em números crescentes. Já a violação física apresenta diminuição de queixas.

Notamos um padrão nestes relatórios quanto às pessoas idosas vitimadas: predominantemente mulheres (o número de homens vem aumentando), acima dos 71 anos. O relatório de 2017 frisa, no entanto, que parcela considerável de idosos já denuncia a partir dos 61 anos, e que a maioria das idosas vitimadas era branca, mas, quando analisamos os relatórios anteriores, vemos que há variabilidade quanto ao quesito cor, não permitindo verificar um padrão neste item.

Quanto ao perfil do suposto violador, filhos e netos são os principais denunciados e o maior número de abusos ocorre no ambiente doméstico do idoso, padrão que se repete ano a ano, confirmando dados que demonstram que a violência contra a pessoa idosa é, predominantemente, intrafamiliar.

Os dados brasileiros corroboram e são corroborados pelos obtidos para a América Latina e Caribe e para a Europa. Há concordância de que este é apenas uma parte do fenômeno, a ponta do iceberg, pois a violência contra a pessoa idosa é naturalizada por construções socioculturais importantes.

Violência conjugal

As mulheres idosas vítimas de violência conjugal apresentam piora da saúde, tanto objetiva quanto subjetiva, visualizados por quadro de somatizações, depressão, ansiedade e utilização de maior número de medicamentos, tais como antidepressivos e ansiolíticos. Há incremento da prevalência entre estas mulheres de problemas ósseos, digestivos, dor crônica, hipertensão, doenças cardíacas e alguns estudos demostram maior índice de mortalidade entre mulheres vítimas de abusos há anos, não decorrentes diretamente de lesões físicas, mas pelas consequências advindas da própria relação abusiva, demonstrando o impacto da violência no sistema psiconeuroimunológico.

Anos de abusos também afetam o autoconceito e a autoestima dessas mulheres que sentem, apesar de ter sofrido durante tantos anos, principalmente na esperança de proteger a seus filhos, que estes não reconhecem esse esforço, o que as deprime mais ainda, tornando-as mais desesperançadas. Há muito medo entre elas de ter que cuidar do par violentador.

Mulheres idosas vitimadas por violência se queixam da falta de serviços de apoio, os quais não se atentam às especificidades das idosas, principalmente quando estas apresentam incapacidades. Ouvir essas mulheres, entendendo como vivenciam seu sofrimento e dor, ajudando-as a construir um futuro no qual possam se sentir mais autônomas é a melhor forma de reconhecer e auxiliar nesses casos.

Vivemos uma sociedade que envelhece e se torna cada vez mais longeva, e mesmo considerando que os abusos, maus tratos e violência podem ocorrer em qualquer etapa do ciclo da vida, é no ciclo final da vida que os maus tratos se destacam, pois os idosos vão se tornando mais lábeis e fragilizados emocionalmente, o que predispõe a mais abusos, em um círculo vicioso.

Bibliografia

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Foto de destaque: Agência Brasil

 

Maria Elisa Gonzalez Manso

Médica e bacharel em Direito, pós-graduada em Gestão de Negócios e Serviços de Saúde e em Docência em Saúde, Mestre em Gerontologia Social e Doutora em Ciências Sociais pela PUC SP. Orientadora docente da LEPE- Liga de Estudos do Processo de Envelhecimento e professora titular do Centro Universitários São Camilo. Pesquisadora do grupo CNPq-PUC SP Saúde, Cultura e Envelhecimento. Gestora de serviços de saúde, atua como consultora nas áreas de envelhecimento, promoção da saúde e prevenção de doenças, com várias publicações nestas áreas.

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Médica e bacharel em Direito, pós-graduada em Gestão de Negócios e Serviços de Saúde e em Docência em Saúde, Mestre em Gerontologia Social e Doutora em Ciências Sociais pela PUC SP. Orientadora docente da LEPE- Liga de Estudos do Processo de Envelhecimento e professora titular do Centro Universitários São Camilo. Pesquisadora do grupo CNPq-PUC SP Saúde, Cultura e Envelhecimento. Gestora de serviços de saúde, atua como consultora nas áreas de envelhecimento, promoção da saúde e prevenção de doenças, com várias publicações nestas áreas.

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