“Casamento Grego” mostra que vida sem sonhos não vale a pena

“Casamento Grego” mostra que vida sem sonhos não vale a pena

Apesar dos estereótipos caricatos apresentados no filme “Casamento Grego 2”, na sessão de março do programa Viver Mais Cinema (Itaú) ele questiona valores tradicionais desconectado da época atual, seja na fala de algum adulto, quanto na fala do jovem. Mostra a interferência do patriarca nas relações familiares, em nome da tradição grega, bem como as relações intergeracionais e a intolerância ao imigrante. Finalmente ele nos mostra que vida sem sonhos não vale a pena.

Se é evidente que não se tem sempre necessidade do outro para se conhecer a si próprio, é impossível que isso seja feito isoladamente em compartimentos fechados. O programa Viver Mais Cinema (Itaú), ao oferecer uma sessão de cinema ao público idoso, facilita esses encontros, abrindo compartimentos de um prazeroso canal de comunicação com o mundo e suas diferenças.

Procurando alcançar o objetivo desse programa, entendi que a missão, ao coordenar o debate do dia 29 de março no Shopping Frei Caneca (SP), enquanto colaboradora do Portal do Envelhecimento, não teria a pretensão da crítica, mas de extrair temas para reflexão sobre algumas questões que envolvem o cotidiano dos participantes, e lhes trouxesse através da imagem cinematográfica, o reconhecimento, a compreensão do outro, as diferenças, o tempo, costumes e os valores familiares, inseridos no filme.

Entretanto, por ser uma comédia ligeira; apresentar de forma um tanto caricata a família grega; e não se aprofundar nas questões existenciais de cada personagem, com um pouco de imaginação e licença poética interpretativa, pudemos envolver os participantes, e gerar um bom debate.

Nia Vardalos, autora do roteiro e protagonista do Casamento Grego I e II, revela que o projeto do primeiro filme, no fim dos anos 1990, foi inicialmente idealizado para uma peça de teatro, baseada nas experiências que teve quando se casou com um não grego, o ator Ian Gomez. A adaptação do trabalho para o cinema veio através do interesse da esposa grega de Tom Hanks, que se interessou, produzindo o original e a sequência por meio de sua companhia, a Playtone.

No primeiro filme, em 2002, Toula Portokalos (Nia Vardalos) tem 30 anos, é grega e trabalha no restaurante da família, o Dancing Zorba’s, em Chicago. Por causa de sua idade, o maior sonho de seu pai, Gus (Michael Constantine), é vê-la casada com um grego. Mas ela quer algo a mais para sua vida. Com a ajuda da mãe, Toula consegue convencer o pai de que precisa fazer aulas de informática e começa a cuidar mais do visual. Para completar a mudança, decide largar o emprego no restaurante e arranja um trabalho na empresa de turismo da tia, onde ela conhece Ian Miller (John Corbett), um professor de ensino médio. Os dois se apaixonam e apesar de toda intolerância se casam. No segundo filme, “Casamento Grego 2”, os mesmos protagonistas, já casados e com uma filha adolescente, enfrentam problemas em seu relacionamento, com muitas desavenças e discussões, e mais intolerância e conflitos.

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O “Casamento Grego 2” na sessão Itaú Viver Mais Cinema de março

Em entrevista recente na revista Variety, ao lançar o segundo filme “Casamento grego 2”, Nia Vardalos revelou também que pensou em escrever a sequência do filme para as mulheres, mostrar como elas podem ser empoderadas. Disse que  “- Nós, mulheres, somos várias coisas. Somos mães, filhas, esposas. Nós englobamos tantas coisas. Eu queria escrever um filme para nós também. A falta de papéis para mulheres é nojento. Em vez de apenas reclamar sobre isso, no entanto, eu escrevi papéis para mulheres com bastante profundidade e força, sabendo que Andrea Martin e Lainie Kazan poderiam arrebentar neles. Mulheres tem que escrever umas para as outras, nós temos que contratar umas as outras.”

Seguindo a proposta de levar os participantes a refletir sobre algumas passagens do filme, foi em cima das perguntas levantadas e suas respostas, que se pôde observar o que ativou a memória da plateia, e o que utilizamos para o debate.

Debate

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Apesar dos estereótipos caricatos apresentados, o filme questiona valores tradicionais desconectado da época atual, seja na fala de algum adulto, quanto na fala do jovem. Exemplo, quando a mãe de Toula diz que hoje não é mais preciso se casar, e num outro momento a própria bisavó, numa simples e direta frase, faz a bisneta pensar sobre a possibilidade dela realmente estudar longe da família, rompendo a tradição de se manterem sempre juntos.

A interferência do patriarca nas relações familiares, em nome da tradição grega, esteve presente o tempo todo no filme. Uma provocação, dirigida ao público presente, foi questionar se toda aquela barulhenta e alegre união não escondia conflitos, a realidade do cotidiano de uma família convivendo próxima demais. As respostas foram variadas, mas deixou claro que as consequências podem trazer sérios problemas de relacionamento e grandes desavenças.

A relação intergeracional foi debatida, ganhando destaque a relação da filha de Toula com seus pais e com sua numerosa família. A jovem, ficando dividida entre escolher estudar longe da família para garantir seu espaço e fazer valer sua escolha, ou sucumbir, ficar e adiar seus sonhos. Interessante a colocação de um senhor da plateia, quando disse que “- Os filhos são para o mundo, não podemos deixá-los sob as nossas asas sempre, temos nossa vez também”.

Seguiu-se vários comentários pessoais sobre relações entre filhos e pais. A questão do gênero também foi notada, tanto nos papéis representados pelas mulheres, no caso pela tentativa em seguir as tradições gregas, e dos homens, em que um tio representado como solteirão na família acaba revelando sua homossexualidade. A discussão girou em torno da subjetividade, da identidade, e da aceitação das diferenças.

A intolerância para com o imigrante surgiu no grupo ao rever cenas em que  sempre apareciam três mulheres louras tipicamente americanas, que em várias situações se faziam presentes com comentários desfavoráveis à família, achando-os excêntricos, esquisitos e de maus hábitos. Questionando a plateia se alguém tinha experiências relacionadas à família imigrante, foi com surpresa que uma senhora de origem alemã relatou ter se casado com um japonês e o quanto se sentia diferente nas reuniões familiares, principalmente por ser loira.

Os costumes gregos foram notados, e uma senhora nos contou sobre alguns deles, segundo ela “- parecido com o que viu no filme”, visto que tinha uma grande amiga grega. Outros se manifestaram e relataram suas experiências na convivência com seus “conhecidos gregos”.

Nas cenas hilárias do avô Gus, tentando aprender a usar o computador, levantamos a questão da aprendizagem quando se tem mais de 60 anos, da possibilidade dele abraçar a novidade, e de como a pessoa que envelhece deve estar “antenada”, motivada, curiosa com o seu tempo de agora, sem se voltar só ao passado, para poder se identificar como uma pessoa mais sábia.

Dentre outras tratativas, acredito que as apresentadas foram as mais significativas, e fechando a discussão do grupo discutiu-se a postura de Toula, como mãe, filha e esposa, chegando a conclusão de que ela, que no primeiro filme queria ser independente, chegando a enfrentar a família se casando com um inglês, neste segundo, acabou reproduzindo a vida de suas parentes  mulheres e perdeu a oportunidade de fazer novas escolhas.

Toula abdicou de sonhos, seguindo os padrões estabelecidos pelo grupo, onde “- Supõe-se que as boas meninas gregas devem fazer três coisas na vida: ter noivos gregos, ter filhos gregos e alimentar gregos”. No seu casamento de 15 anos, negligenciando a relação com seu marido, dedicando-se à filha e se sujeitando aos caprichos dos pais e parentes, no final poderia ter mudado o rumo de sua vida, se apropriado de sua história, sendo um novo sujeito após a saída da filha de casa.

No final, o marido Ian propõe que eles agora poderiam voltar a namorar, viajar, recuperar um pouco de intimidade, no que Toula rebate, e numa frase, curta e reveladora traça seu futuro “- e que tal se adotássemos uma criança, pense!”. Para reduzir a perda, ignorou os possíveis ganhos, sob uma face conservadora, e numa visão cristalizada, acreditou que retomar seu antigo papel de mãe, a sua vida teria mais significado, não se dando conta que vida sem sonhos não vale a pena.

Essa foi a mensagem final, a qual se inseriu a questão do viver, conviver e reviver, que faz parte da filosofia do Programa Viver Mais Cinema do Banco Itaú, para um envelhecer melhor.

(*) Regina Pilar G. Arantes é pedagoga, mestre em Gerontologfia pela PUC-SP,  e colaboradora do Portal do Envelhecimento. Atua com consultorias de projetos de envelhecimento e palestras. Email: [email protected]

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