Caminhabilidade e velhice

Caminhabilidade e velhice

Como podemos tornar nossas cidades mais caminháveis para as pessoas à medida que envelhecem? Qual é o papel de cada um de nós? Cidadãos e gestores públicos? Qual é o impacto da falta de boas condições para caminhabilidade nos espaços de vida dos idosos? 

Monica Perracini e Maria Lima

 

Ir de um lugar ao outro, ou andar (caminhar) é uma atividade que aprendemos desde cedo e incorporamos rapidamente ao nosso repertório de movimentos. Afinal, é um marco no desenvolvimento quando uma criança dá seus primeiros passos. Depois, o andar se torna tão rotineiro que mal percebemos como o fazemos. Andamos para ir e vir. A etimologia da palavra andar (‘walk’ na língua inglesa) fala sobre ‘viajar sobre os pés’ e percorrer um caminho. As duas condições são um fato: para caminhar usamos nossos pés ao longo de um percurso ou caminho.

O conceito de caminhabilidade, do inglês walkability, surgiu para indicar a influência do ambiente construído no caminhar. Ou seja, o quanto a condição física de cada pessoa e sua relação com o entorno (ambiente) permite o seu deslocamento a pé com qualidade. Reflete em que medida o ambiente construído está adequado ou aceitável para caminhar. Isso depende tanto dos atributos físicos do ambiente, tais como as condições das calçadas, iluminação, segurança quanto da percepção de quem se desloca.

Os deslocamentos a pé se realizam no início e no final de todas as modalidades de transporte, assim como na conexão entre elas. Caminhar na cidade é vital pois, permite o acesso básico aos serviços e à atividades de lazer, de compras e de trabalho, dentre outras. Caminhar reconhecidamente traz benefícios para a saúde e uma melhor qualidade de vida e, é essencial para a manutenção da independência nas atividades fora de casa. Além disso, o caminhar fora de casa evita o isolamento social e proporciona uma sensação de liberdade.

Os principais fatores que afetam a decisão de deslocamento a pé dependem das características pessoais (condições físicas, aspectos psicológicos, culturais, socioeconômicos); características do deslocamento (distância e tempo, propósito, se é preciso carregar algum volume, do ambiente construído e social. A interação desses fatores influencia a tomada de decisão de sair de casa.

Caminhabilidade é um princípio fundamental das boas cidades para se viver, aquelas que são chamadas de amigáveis. Trata-se da qualidade do caminhar, da acessibilidade à cidade para qualquer pessoa, de qualquer idade, com qualquer tipo de dificuldade motora. Cidades caminháveis geram funcionalidade, conforto, conscientização e participação social e, por fim são fundamentais para inclusão das pessoas. Uma cidade não amigável é cruel, parcial, limitadora e excludente. De acordo com Glicksman e colaboradores (2013), caminhabilidade tem se tornado um importante conceito no campo da Gerontologia, especialmente nos programas que incentivam o envelhecimento ativo, para garantir que os idosos permaneçam ativos em suas casas e comunidades.

Dentro das perspectivas de construção de cidades inclusivas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) define como Cidade Amiga do Idoso aquela que estimula o envelhecimento ativo, ao otimizar as oportunidades para a saúde, a participação e a segurança, com o objetivo de aumentar a qualidade de vida à medida que se envelhece e gerar participação econômica e social em ambiente seguro e acessível.

À medida que se envelhece, as pessoas enfrentam desafios específicos de mobilidade. Muitos irão desenvolver incapacidades que podem levar ao declínio das capacidades físicas, cognitivas, sensoriais e psicoafetivas que tornam mais difíceis a adaptação ao meio, reduzindo assim a mobilidade nos espaços de vida. Muitas pessoas idosas com mobilidade reduzida passam a depender das condições oferecidas pela infraestrutura urbana para que possam desempenhar atividades de forma segura.

Entre os grandes empecilhos para um caminhar seguro na rua estão as calçadas em mau estado. Em muitas regiões das cidades a calçada não existe, ou sua largura é insuficiente para acomodar a circulação com conforto, ou ainda se observa a ocorrência de irregularidade no piso, tais como buracos, tampos de inspeção de serviços elevados, declividades acentuadas, ausência de guias rebaixadas, degraus, muretas para contenção de água, falta de concordância de nível, postes e placas mal alocados, dentre outras.

Essas irregularidades são responsáveis por eventos de quedas de pedestres, sendo algumas com consequências graves. A calçada é via fundamental para caminhabilidade. Esta deve ser entendida não só como um corredor de passagem e deslocamento, mas como um espaço de permanência e de convivência adequado à mobilidade e aos sentidos humanos, já que estes fornecem a base biológica das atividades, do comportamento e da comunicação no espaço urbano. A calçada é também um espaço de convivência e de troca.

Um dos meios para discutir cidades amigáveis pode ser através da caminhabilidade. Questões como qualidade e disponibilidade de infraestrutura pedestre contida em uma área definida, presença de amenidades, como bancos e áreas cobertas que promovam a eficiência, o conforto e a segurança do deslocamento a pé são considerados na avaliação de ambientes que promovem a caminhabilidade. A facilidade de ter acesso a bens e serviços através do espaço público, a proximidade e interação entre pessoas e a percepção e sensação de segurança e liberdade são outros aspectos importantes relacionados a caminhabilidade nos espaços urbanos. É apontado como um conceito simples e ao mesmo tempo amplo, assim como é o ato de mover-se.

Os idosos de diferentes faixas etárias e com limitações motoras, visuais ou auditivas reagem de formas distintas frente às barreiras do ambiente. A forma como percebem o meio urbano é essencial na tomada de decisão de sair de casa. Um idoso que se sente inseguro não estabelece uma relação com a cidade, com isto, não tem oportunidade de participação e tende a ficar confinado dentro de casa. Em contrapartida, uma cidade convidativa e caminhável incentiva uma maior mobilidade em todas as pessoas e especialmente nas pessoas idosas.

É necessária a adaptação da sociedade para o desafio de pensar no futuro das grandes cidades diante do impacto social, econômico e cultural devido às mudanças no perfil etário da população brasileira. Para 2050, a projeção de pessoas com 60 anos ou mais é de 29% da população total brasileira.

Assim, é preciso compreender e aprofundar o conhecimento sobre mobilidade da pessoa idosa, destacando as associações entre mobilidade e caminhabilidade com os atributos do ambiente, e assim, desenvolver estratégias para atender e satisfazer as necessidades dessa população no contexto da mobilidade urbana.

Como podemos tornar nossas cidades mais caminháveis para as pessoas à medida que envelhecem? Qual é o papel de cada um de nós? Cidadãos e gestores públicos? Qual é o impacto da falta de boas condições para caminhabilidade nos espaços de vida dos idosos?

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Mônica Rodrigues Perracini

Graduou-se em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo, mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas com área de concentração em Psicologia do Desenvolvimento - Gerontologia e doutorado em Ciências da Reabilitação - área de concentração em Geriatria e Gerontologia pela Universidade Federal de São Paulo. Pós Doutorado pelo The George Institute for Global Health, Sydney University, Australia. Em 1992 participou do Short Course Implications on Ageing na London School of Hygiene and Tropical Medicine em Londres com bolsa pelo British Council. É professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo-UNICID e coordenadora de curso de pós-graduação Lato-sensu em Fisioterapia Gerontológica da Universidade Cidade de São Paulo, e docente no curso de graduação. É professora colaboradora no Programa de Pós-graduação, nível Mestrado e Doutorado, em Gerontologia da UNICAMP. Tem experiência na área de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com ênfase em Gerontologia. E-mail: [email protected]

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Graduou-se em Fisioterapia pela Universidade de São Paulo, mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas com área de concentração em Psicologia do Desenvolvimento - Gerontologia e doutorado em Ciências da Reabilitação - área de concentração em Geriatria e Gerontologia pela Universidade Federal de São Paulo. Pós Doutorado pelo The George Institute for Global Health, Sydney University, Australia. Em 1992 participou do Short Course Implications on Ageing na London School of Hygiene and Tropical Medicine em Londres com bolsa pelo British Council. É professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo-UNICID e coordenadora de curso de pós-graduação Lato-sensu em Fisioterapia Gerontológica da Universidade Cidade de São Paulo, e docente no curso de graduação. É professora colaboradora no Programa de Pós-graduação, nível Mestrado e Doutorado, em Gerontologia da UNICAMP. Tem experiência na área de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, com ênfase em Gerontologia. E-mail: [email protected]

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