Bela, a velhice?

Recentemente, mais uma vez, fomos brindamos com a matéria de Mirian Goldenberg – antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro – para o Caderno Equilíbrio da Folha de S.Paulo.

 

 

bela-a-velhiceEla inicia sua reflexão, trazendo a escritora e filósofa francesa, célebre e ainda muito comentada na área da Gerontologia Social, Simone de Beauvoir (1908-1986): “No livro ‘A Velhice’, Simone de Beauvoir, após descrever o dramático quadro do processo de envelhecimento, aponta um possível caminho para a construção de uma ‘bela velhice’: ter um projeto de vida”.

Com essa ‘bela velhice’ vemos que até Simone esbarra nas classificações, tão em moda nos nossos dias. E por que usamos e abusamos de pequenas escapadelas do termo ‘velho’, usando termos mais gentis, graciosos e suaves? Ele só pode ser possível se precedido de novo ou de belo?

Beauvoir responde lembrando a difícil relação do ‘eu’ com esse ‘outro’, uma relação que imprime a letra escarlate no peito, uma marca registrada como criadora da identidade de velho: “É normal, uma vez que em nós é o outro que é velho, que a revelação de nossa idade venha dos outros. É o outro que nos classifica. Não consentimos nisso de boa vontade. Uma pessoa fica sempre sobressaltada quando a chamam de velho pela primeira vez” (Beauvoir, 1990: 353).

Subitamente, sem aviso prévio, sentimos a velhice através do corpo. Um corpo que, por si só, não revela a velhice, mas uma vez marcado ‘a ferro’, instalado está neste corpo que se surpreende com o envelhecer. E isto se amplia para além do corpo, sobre a personalidade, o papel social, econômico e cultural do idoso. Assim, a ideia de tempo: ‘de pouco tempo de vida’, ‘do tempo que passou’, ‘de que nada mais se deve esperar de um indivíduo que, com o passar do tempo, só deve recair’, é uma das fundamentais.

Mas Goldenberg, em seu texto prefere trilhar o caminho da ‘bela velhice’ – e sobre isso, nada contra – chamando os ilustres da música, da literatura e da ficção, exemplos de trajetórias que motivam qualquer um, encantam porque são indivíduos competentes, bem-cuidados, saudáveis, corajosos e, até que se diga o contrário, espiritualizados na medida. São eles, os ‘belos velhos’ da antropóloga: “Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Marieta Severo, Rita Lee, entre outros”.

Ela continua sua argumentação lembrando como essas pessoas são vistas, representadas e percebidas socialmente por nós, seres humanos ‘comuns’, os ‘não-famosos’, os anônimos: “Duvido que alguém consiga enxergar neles, que já chegaram ou estão chegando aos 70 anos, um retrato negativo do envelhecimento. São típicos exemplos de pessoas chamadas ageless ou sem idade”.

Diante de uma denominação insuportável, do pior e humilhante que a palavra ‘velho’ carrega, nega-se sempre, até a morte. “Fazem parte de uma geração que não aceitará o imperativo: ‘Seja um velho!’ ou qualquer outro rótulo que sempre contestaram”, completa Goldenberg.

Os exemplos em questão, de fato, são interessantes. Falamos de pessoas que ousaram, romperam regras e valores pré-estabelecidos por uma sociedade (na época?) castradora, onde a falsa moral imperava gloriosa pelos círculos políticos, sociais e familiares. Goldenberg aponta: “São de uma geração que transformou comportamentos e valores de homens e mulheres, que tornou a sexualidade mais livre e prazerosa, que inventou diferentes arranjos amorosos e conjugais, que legitimou novas formas de família e que ampliou as possibilidades de ser mãe, pai, avô e avó”.

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A questão é que nem todas as pessoas conseguem ‘dar passos largos’, criar um ‘lugar especial’ no mundo para si ou simplesmente reinventar sua história. Muitas vezes, insistimos na derrota, procuramos o que não deve ser encontrado, talvez, porque, ele nem mesmo exista.

Acrescentando Paul McCartney à sua lista dos ‘belos velhos’ (incluir, também, o magistral Clint Eastwood), Goldenberg aponta que, principalmente eles, “estão rejeitando os estereótipos e criando novas possibilidades e significados para o envelhecimento”.

Sabiamente no trecho final de sua matéria a antropóloga ressalta: “Tenho investido em revelar aspectos positivos e belos da velhice, sem deixar de discutir os aspectos negativos”. E lembra os leitores que seu livro ‘Coroas’ também “é uma forma de militância lúdica na luta contra os preconceitos que cercam o envelhecimento”. E, claro, um deles é a idade.

Como esperado para os fiéis leitores da antropóloga, Goldenberg ‘chama’ o irreverente poeta pós-moderno Arnaldo Antunes com sua canção Inclassificáveis: “Que preto, que branco, que índio o quê?/Somos o que somos: inclassificáveis”.

Ela brinca com as palavras e aposta na ousadia. Se nada resolver, a dica é ‘cantar’: “Que jovem, que adulto, que velho o quê?/ Somos o que somos: inclassificáveis”, repete Mirian Goldenberg.

Bela, a velhice? Para o inesquecível Adoniran Barbosa, que importa?, “Se envelhecer é uma arte”: “Velho amigo não chore/ Pra que chorar/ Por alguém te chamar de velho/ Não decola, não esquente a cachola./ Quando alguém lhe chamar de velho/ Sorria cantando assim:/ Sou velho e sou feliz/ Mas velho é quem me diz./ Comigo também acontece/ Gente que nem me conhece/ Gente que nunca me viu/ Quando passa por mim:/ – Alô velho! Alô tio!/ Eu não perco a estribeira/ Levo na brincadeira/ Saber envelhecer é uma arte/ Isso eu sei, modéstia à parte”.

Referências

ANTUNES, A. Inclassificáveis. Disponível Aqui. Acesso em 16/10/2012.

BEAUVOIR, S. (1990). A velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

GOLDENBERG, M. (2012). A bela velhice. Disponível Aqui. Acesso em 16/10/2012.

VAGALUME – LETRAS E MÚSICA. Envelhecer é uma arte. Disponível Aqui. Acesso em 17/10/2012.

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