Ascenção F. de Canha, 76 anos

Fui recebida pela Dona Ascenção na casa de sua filha Maria e lá conversamos por um bom tempo. Tomamos cafezinho, comemos torta de frango, e bolinho de maçã folhado, tudo feito gostosamente e com muito capricho pela Maria.

Marisa Feriancic

 

Dona Ascenção diz que gosta de conversar, mas não é muito falante. Encerra o assunto, calmamente com um simples: É isso! Eu fui esticando um pouco a conversa, ela foi lembrando e me contando mais pedacinhos da sua história.

Apesar do forte sotaque português, ela se expressa muito bem e não tivemos problemas de comunicação. Conseguimos nos entender. Ela é muito simpática, cuidadosa com as palavras e bastante discreta. Não se lamenta de nada e não faz críticas a ninguém, ao contrário, encara a vida com otimismo e gosta da história que viveu. Talvez, isso tenha fortalecido seu processo de envelhecimento.

Dona Ascenção começa a sua história:

Eu morava em Portugal na Ilha da Madeira, éramos em 6 irmãos, 4 mulheres e dois homens, eu era a mais nova. Vim para o Brasil em 1966 e não voltei mais a Portugal. Deixei lá toda minha família. Sou viúva, tenho 4 filhas, a mais velha, se chama Maria, como minha mãe. Ela nasceu em Portugal, e as outras 3 filhas nasceram no Brasil.

O casamento

Casei-me lá em Portugal, com Francisco Pereira no dia 16 de novembro de 1953, namoramos só 8 meses. Eu estava com 20 anos e o Francisco com 18. Meus irmãos já estavam casados, e nós ficamos morando com meus pais.

Francisco trabalhava com meu pai, mas precisava se alistar no exército. Em Portugal teria que servir muitos anos e ir para outras terras, lugares distantes. Ele resolveu vir para o Brasil, mas eu não queria morar no Brasil. Eu sabia que ele iria embora. Depois de 12 dias de casada, eu estava grávida e ele veio para o Brasil. Veio e aqui ficou. Gostou do Brasil.

Minha filha Maria nasceu e eu continuei na casa dos meus pais. Eles adoravam minha filha. O Francisco só foi conhecê-la 11 anos depois, não dava para ele sair do Brasil, era muito longe e muito caro.

Eu não queria que ele fosse embora de Portugal, mas ficar sem ele não foi tão difícil porque com 12 dias de casado, não dava nem para se acostumar. Aqui ele ficou, gostou daqui do Brasil.

A vinda para o Brasil

Francisco me chamava para vir para o Brasil, eu não tinha vontade de sair de Portugal. Eu queria que ele voltasse para lá, mas ele dizia que tinha os fazeres dele aqui no Brasil e eu teria que vir para cá. Não sei como resolvi vir. Foi muito tempo longe.

Em Portugal a vida era melhor, meu pai tinha uma fazenda grande, tinha muito gado na serra. Meu pai tomava conta da fazenda e minha mãe tinha uma vida boa, com muitos empregados. Tínhamos criação de porcos, ovelhas, cabras, vacas. Havia empregados também dentro de casa, que ajudavam minha mãe. Estávamos bem, eu não queria sair de lá. Sabia que sentiria falta da família e das amigas. Minha filha estava na escola e também não queria vir, nossa vida era muito boa na fazenda. Tive uma infância boa em Portugal. Ia à escola, brincava de roda, de lenço atrás, de passa anel, de casinha de bonecas, subia em arvores para apanhar frutas, para me esconder. Tinha muito espaço. Era uma época boa, não tinha preocupação com nada, meu pai era bom, minha mãe também.

Eu era a caçula, a atenção era toda para mim. Uma beleza!

Em 1966, depois de 11 anos no Brasil, Francisco foi para Portugal decidido a nos buscar.

Ficou um tempo lá e depois viemos embora para o Brasil. Quando vim para o Brasil estava grávida de 5 meses da minha segunda filha.

Quando entramos no navio, passei muito mal. A viagem foi horrível, durou 11 dias, eu vomitava o dia todo. Ficava deitada no banco do navio. Vomitei todos os dias. Não gosto nem de lembrar. Nunca mais esqueci, nunca mais quis voltar para lá´.

Desembarcamos no Rio de Janeiro e fomos para Santos. Chegando ao Rio de Janeiro, fui ao medico, já estava vomitando sangue. Mas não era nada. O medico disse que era da garganta. Minha filha, a Maria também não passou bem, mas uma amiga nossa, de Portugal fez a viagem conosco, e foi uma boa companhia para ela.

Quando cheguei ao Brasil, demorei a me acostumar. A saudade era demais. Não conhecia ninguém, não tinha amigos. Francisco tinha 2 irmãos no Brasil, um deles morava em Santos. Eu só tinha uma prima.

Sentia saudades de todos. Quando saí de Portugal, meu pai já havia falecido, aos 74 anos, mas deixei minha mãe, minhas irmãs e as amigas. Nunca mais vi ninguém. Minha mãe morreu com 90 anos. Minha mãe gostava muito da Maria.

Em São Paulo, viemos morar na Vila Olímpia, nesta casa onde estou até hoje.

Sentia falta de tudo, mas o que eu sentia mais mesmo, era a falta da comida. A comida era diferente daqui. Em Portugal, tínhamos muita fartura, muita diversidade; batata doce, batatinha, milho, feijão, queijos, leites, carnes à vontade e frutas em abundancia. Era pêssego, laranja, ameixas, castanha, tudo na fazenda, não precisávamos comprar nada. Fazíamos até manteiga em casa. Aqui não tinha nada dentro de casa, precisava comprar tudo. Na fazenda, se quiséssemos comer galinha, ou um cabrito, era só pegar e preparar depois. Nunca faltava carne em casa; eu não gostava muito de carne, até hoje não gosto muito, mas tinha de tudo.

No começo a vida foi difícil, mas deu tudo certo, a gente não se atrapalhou não. Francisco sempre trabalhou e nunca nos faltou nada. É difícil, mas acostuma, quando a gente casa, é assim: casou, acabou, tem que se haver com o marido e não com o resto da família. O marido vai, a mulher tem que ir junto.

Antigamente era um pouco diferente, as pessoas tinham mais tolerância. Hoje são mais liberais, se tá ruim, já terminam logo. Antigamente não era assim não, casou tem que agüentar. Eu acho errado, acho melhor agora; quando a pessoa não quer mais, cada um vai para seu lado. É melhor do que ficar brigando. E até podem ser amigos.

Não acho que os portugueses são mais rígidos que os brasileiros, acho que é tudo igual. Tem alguns brasileiros que são bonzinhos, outros são ruins, depende de cada pessoa. Cada um tem um jeito de ser. Para mim, meu marido sempre foi bom, não posso reclamar.

Tivemos 4 filhas. Meu marido queria um menino, mas não veio. Eu estou muito feliz com minhas 4 meninas. Elas são muito boas. Meus genros também são bons, não posso reclamar, gosto deles como se fossem meus filhos, é tudo igual.

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Quando casamos, eu cuidava das crianças, da casa e Francisco trabalhava fora. Era topiarista (o trabalho do topiário – jardineiro especializado em topiária – não se restringe somente a poda das árvores, entre as técnicas, inclue-se a poda de formação e a de direcionamento ou educação de galhos, muito usada na arte do bonsai). Francisco fazia esculturas nas árvores e trabalhava com jardinagem, por conta própria. Fazia grandes serviços. Chegou a fazer um belo jardim no Rio de Janeiro, na Guanabara. Ele aprendeu as técnicas de jardinagem aqui no Brasil.

Depois que as meninas cresceram, ele foi duas vezes para Portugal visitar a família, mas eu não fui. Com as filhas grandes era difícil, eu nunca mais quis voltar para Portugal. Acostumei com o Brasil e gosto daqui.

A viuvez

A gente está acostumada com a pessoa há tantos anos e depois ele vai embora. É difícil. Francisco teve um câncer e ficou 12 anos em tratamento. Ninguém dizia que ele estava doente. Ele não perdeu peso e tinha um aspecto bom. Fez vários tratamentos, todos caros, com um medico que viajava sempre aos Estados Unidos e trazia novidades de lá. Valeu a pena, porque ele viveu mais 12 anos, mesmo doente. Ele faleceu em 2002, aos 68 anos.

No começo foi muito difícil. Eu não dormia direito, não tinha vontade de comer, de fazer nada. Minhas filhas sempre estiveram ao meu lado, me ajudaram e eu reagi bem. Cada um tem sua vida. Elas são muito boas para mim, mas tem que cuidar da vida delas. Eu fui me acostumando sem ele. Tinha que me acostumar. Nunca me faltou nada. Ele me deixou bem, não posso me queixar, mas a gente estranha muito.

Eu acho que o primeiro morrendo o outro deveria ir junto. Mas sabemos que a vida não é assim.

Saúde

Minha saúde está boa para minha idade, acho que estou bem. Eu me cuido sim, às vezes abuso um pouquinho. Tomo meus remédios direitinho: para a hipertensão e para diabetes. Eu não tinha diabetes, ela apareceu depois que meu marido faleceu. A médica disse que é diabete nervosa. A pressão esta controlada e a diabete também.

Minha alimentação é boa. Não como gordura e carne eu não gosto muito. Tomo meu café com leite, leite puro eu não gosto. Mesmo lá na fazenda que tinha leite puro eu não tomava. Como muita fruta. Gosto de doces, mas não posso comer. Uso alimentos diet.

A religião

Sou católica, mas acho que Deus é um só. Todas as religiões são boas. A religião ajuda muito. Deus dá muita força para a gente.

Vou todos os domingos à missa. Rezo pela manhã e à noite. Sou devota de Nossa Senhora de Fátima, tudo que a peço me ajuda.

Lazer

Para distrair gosto de fazer tricô, palavras cruzadas, crochê e cuido dos netos, quando minha filha mais nova precisa. Alguns já estão grandes, podem até cuidar de mim.

Faço minha comida, ajeito a casa, tenho uma faxineira que vem a cada 15 dias. Eu lido com a casa o dia todo. Não tenho muita paciência de assistir filmes. Gosto de assistir as novelas e gosto muito de plantas, principalmente com flores. Converso sempre com minhas plantinhas, pergunto por que elas estão feias, se precisam de água. Na verdade, água elas nem precisam pedir, eu ponho todos os dias.

Não deito muito cedo. Vou para a cama em torno das 23 horas. Tem dias que durmo bem, outros não. Depois que meu marido faleceu ficou assim.

Envelhecer

Envelhecer faz parte da vida. Não tenho medo de envelhecer nem de morrer. É natural. Tudo envelhece. O que não morre novo envelhece. Você envelhece sem saber que esta envelhecendo.
Sra Assunção Sr. Francisco

Eu sei que estou envelhecendo porque não faço mais as coisas como antigamente, as coisas pesam mais. Só me dei conta disso, quando não tinha a mesma força que antes.Tem gente que tem medo de envelhecer, não sei por quê. Não acho que é medo de ficar doente, muitas pessoas morrem sem ficar doente. Sentem alguma coisa e acabou.

Não faço muitos exercícios, mas quando posso, vou caminhar um pouco. Faço minha ginástica em casa.. Minha neta é professora de educação física, e me ensinou uns exercícios. Ela me explica e eu faço pela manhã. Faz bem para minha coluna. Sinto dor, mas não é sempre, tenho bico de papagaio. Quando sinto dor, tomo um comprimido e melhora. Não reclamo. Não tenho o que reclamar da vida, Graças a Deus.

Eu não gosto de sair. Às vezes saia um pouco com o marido, mas hoje não tenho mais vontade. Quando preciso, eu vou, mas não vejo a hora de vir para minha casa. Gosto da minha casa.

Não sinto solidão, nunca estou só. Tem sempre gente em minha volta, minhas filhas estão sempre por perto, elas ligam ou vêm me visitar. Uma vem me visitar no sábado, outra domingo. É assim.

A família é muito importante. A família é a melhor coisa que a gente pode ter. Os filhos, os genros, os netos, tem que saber se dar bem. Envelhecer perto deles

Avozidade

Já tenho 7 netos (5 meninas e 2 meninos). Ainda não tenho bisnetos, mas acho que já está na hora da minha neta mais velha me dar um.

Os mais novos aprendem com os mais velhos sim, mas depende da educação que os netos receberam. Depende das relações. Minhas netas gostam de mim e me respeitam. Se precisar dar uma bronca nelas, eu dou, e elas não me levam a mal. Se precisar dar um conselho, também dou. Não atrapalho ninguém. quero o melhor para elas e não quero atrapalhar a vida de ninguém. A gente se da bem. Às vezes falo para minha neta mais velha: vamos à missa, ela diz; não vou não vó, mas eu posso levar você de carro. E leva mesmo. Eu me dou bem com todos.

Uma mensagem para as filhas e netas:

Que elas sejam sempre boazinhas para mim, porque gosto muito delas.

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