As verdades ‘secretas’ e os mistérios da memória

As verdades ‘secretas’ e os mistérios da memória

Após o término da exibição do filme Memórias Secretas, e ainda sob seu impacto, os espectadores da sessão Itaú Viver Mais Cinema, no shopping Frei Caneca (SP) envolveram-se com interessante debate, mediado por mim, abordando temas como: as dificuldades do envelhecimento, o receio da degradação física e demência, além dos temas vingança, perdão, memórias vivas e esquecimentos reais ou involuntários.

Nos dia 31 de maio o programa Itaú Viver Mais Cinema apresentou em sessão comentada o filme Memórias Secretas, com direção de Atom Egoyan e os grandes atores Martin Landau e Christopher Plummer, nos papéis principais: Max e Zev.

Os dois nonagenários vivem nos Estados Unidos em uma Instituição de Longa Permanência (ILPI), mantida pela colônia judaica, e apresentam fragilidades maiores: Max com sérias dificuldades respiratórias, mas perfeitamente lúcido, e Zev portador da doença de Alzheimer.

Os dois são sobreviventes da 2ª Grande Guerra Mundial e do Holocausto e têm contas a acertar com o passado. De modo surpreendente o roteiro se desenrola em um crescendo de tensão até o final inesperado.

Após o término da exibição, e ainda sob seu impacto, os espectadores envolveram-se com interessante debate, mediado por mim, abordando temas como: as dificuldades do envelhecimento, o receio da degradação física e demência, além dos temas vingança, perdão, memórias vivas e esquecimentos reais ou involuntários.

Observaram que as memórias do passado, no caso especialmente traumáticas, permanecem vivas e, neste caso, pedem por reparação. Mesmo no caso de Zev, que apresenta Alzheimer, e que segue as orientações contidas em carta, elaboradas por Max, fica claro em diferentes cenas do filme que algumas lembranças ligadas a um passado ‘esquecido’ surgem de modo inesperado, incluindo suas habilidades ao piano.

O filme tematiza as lembranças do passado traumático do Holocausto, inesquecível, que alimentam a dor de Max na busca da reparação, e fica a impressão que esse fio de vida só se extinguirá após o final da missão delegada à Zev.

Interessante observar que a ideia de ‘velhice é tudo igual’ é negada de modo veemente por meio deste ótimo final. O senso comum apresenta uma imagem dúbia da velhice, com dois ‘modelos’ díspares: a velhice dita saudável e ativa, que sim é possível até certo ponto, e a ‘outra’ na qual impera apenas a doença, sofrimento e falta de perspectivas.

A velhice é uma fase da vida e se esquece, quase sempre, que para além da fragilidade física e aparência inocente existe um indivíduo com uma história construída e vivida, com o bem e o mal que habita todos nós. Cada velhice é única!

A memória do passado pode trazer traumas e sofrimentos, lembrança de acertos e vitória, mas também erros e fracassos. Cada um traz dentro de si ‘um mundo’ de sensações e emoções positivas ou negativas que permanece mesmo na velhice avançada.

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O filme nos coloca algumas interessantes questões à reflexão:

a) O tempo da memória é sempre presente, pois ao evocarmos fatos há muito ocorridos partimos do momento atual pelo qual ela é chamada.

b) O quanto a demência compromete a lembrança de fatos marcantes vividos na infância e adolescência, já que são habituais as conversas plenas de sentido em idosos demenciados ao abordar esse passado longínquo.

c) Qual a força das memórias corporais, algumas ligadas ao instinto de sobrevivência, mesmo que, aparentemente, o indivíduo tenha se esquecido de tudo.

d) Lembrar ou esquecer fazem parte do mesmo sistema e podem ser acionados ou não e, mesmo assim, ‘despertarem’ involuntariamente e com força avassaladora.

e) O quanto as mágoas e ressentimentos podem acarretar doenças e sofrimentos suplementares ao “apagar das luzes”.

Voltando ao filme nos parece que Max não podia, ou queria, esquecer. Quanto a Zev o esquecimento era uma necessidade de ‘fuga’ do trauma ou parte do instinto de sobrevivência?

Estas foram algumas das reflexões propostas ao longo do cine-debate, um evento que por meio da arte cinematográfica coloca em discussão os múltiplos sentidos de viver e envelhecer.

Para encerrar, trazemos Siri Hustvedt, que em Desilusões de um americano (2010), escreveu o seguinte: “A memória só concede os seus dons quando sacudida por algo do presente. Não é um armazém de palavras ou imagens fixas, mas sim uma rede associativa dinâmica dentro do cérebro que nunca sossega e que é sujeita a revisão toda a vez que recuperamos uma cena antiga ou palavras antigas. Eu sabia que, pelo simples fato de entrar em minha vida, Eglantine havia começado a me empurrar para trás, para os aposentos de minha infância, que a despeito de minha análise eu mantivera fechados”.

(*)Vera Brandão – Pedagoga (USP); Mestre e Doutora em Ciências Sociais (PUCSP); Pos.Doc em Gerontologia pela PUC-SP. Responsável pela editoria da Revista Portal de Divulgação. Associada fundadora do Olhe (Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento). Coordenadora da Coluna Memórias do Portal e escreve sobre educação continuada; memória social; saúde e espiritualidade; intergeracionalidade. Email: [email protected]

 

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