Ansiedade: quando ela vai chegar?

Ansiedade: quando ela vai chegar?

Compreender que a atitude do cuidador e dos familiares pode contribuir para atenuar ou agravar a instalação da ansiedade nas pessoas idosas é muito importante, afinal, o maior conforto, qualidade de vida e promoção da saúde dependem dessa atitude.

 

No senso comum, a ansiedade é descrita como uma preocupação exacerbada com aspectos que envolvem o futuro. Outra percepção do senso comum é associar o envelhecimento à falta de expectativas com o futuro, a demência, a imobilidade, o abandono e a ausência de saúde.

Desta forma, há os que consideram que os idosos permaneçam numa espécie de expectativa pelo fim da vida, num ciclo de depressão causada por não ser possível se vislumbrar o futuro como oportunidade real e possível. Se a sociedade insiste em tais estereótipos, os avanços da ciência contemporânea apontam para o quão equivocado tais estigmas podem estar.

Podemos começar pela ansiedade. Em linhas gerais, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais V (DSM-V, 2014), a ansiedade é a antecipação de ameaça futura, associada à tensão muscular, vigilância, comportamento de cautela e esquiva, compartilhando características do medo, sendo este uma resposta emocional à ameaça iminente real ou percebida. O sujeito superestima o perigo em situações que teme ou evita.

No transtorno de ansiedade generalizada (TAS), por exemplo, o DSM-V aponta entre as características: a) inquietação ou sensação de nervos à flor da pele; b) fatigabilidade; c) dificuldade em concentrar-se ou sensações de “branco” na mente; c) irritabilidade; d) tensão muscular e; e) perturbação do sono; sintomas estes ocorrendo na maioria dos dias por pelo menos seis meses, com diversos eventos ou atividades.

Tais sintomas estão presentes em jovens, adultos e idosos, de ambos os gêneros. Dito de outra forma, a ansiedade não é a uma preocupação exclusiva com o futuro e tão pouco se limita a quem ainda não chegou à chamada terceira idade.

Aos olharmos para o envelhecimento, precisamos compreender que envelhecer se trata de um processo comum a todos os seres privilegiados de alcançar idade igual ou superior os 60 anos (idade estabelecida pela Organização Mundial da Saúde – OMS – para determinar a partir de quando alguém pode ser considerado idoso). Como afirma Manzaro (2017), “envelhecer é um processo de perdas e aquisições, de mudanças físicas e biológicas”. Portanto, envelhecer não é necessariamente algo ruim, o chamado “fim”, a falta de perspectivas e a ausência de projetos e objetivos.

Não se trata de negar que envelhecer traga consigo condições adversas dessa fase da vida, contudo, ela não é nada além do que se vivencia durante o processo de viver. Afinal de contas, quem nunca ficou doente, precisou de cuidados e teve dificuldades em outros momentos da vida?

Isto apresentado, o que queremos dizer é que o idoso também pode apresentar sintomas de ansiedade. Pesquisas como as de Bernardino (2013) apontam para a incidência de ansiedade em idosos, em ambos os sexos, estejam estes institucionalizados ou não, sendo que, no caso dos primeiros, o nível de ansiedade é maior do que comparado aos idosos não institucionalizados. Traços de ansiedade também foram observados em alta taxa em idosos com dor crônica, como sugere a pesquisa feita por Santos e colaboradores (2017).

Considerando-se que se a ansiedade é um medo superestimado de um perigo real ou imaginado, o medo da morte, de quedas ou da dor seriam motivadores dos transtornos de ansiedade em idosos. As perdas tão comuns durante o envelhecimento podem suscitar essa condição.

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Contudo, não é apenas perguntas como: “quando a morte vai chegar?” “quando a demência dará seus primeiros sinais?” ou “quando as quedas se tornarão mais perigosas?” que podem incidir nos níveis de ansiedade dos idosos, até porque, como vimos, envelhecer não é necessariamente cair, perder e demenciar.

Outras perguntas podem ser variáveis tão significativas quanto as do parágrafo anterior: “quando meus netos vão chegar?”, “quando meus familiares virão me visitar?”, “quando essa pessoa que me maltrata irá embora?”.

Ao avaliarmos as características descritas de ansiedade, podemos avaliar que idosos podem: a) ficar inquietos por se verem impossibilitados de exercer sua autonomia (às vezes sem necessidade); b) sentir fatigabilidade mais facilmente devido à perda de tônus muscular, problemas ósseos e nas articulações; c) se não forem bem estimulados podem sofrer dificuldades de concentração ou diminuição cognitiva; d) perder o sono preocupados com os familiares ou a própria condição econômica e; e) se irritarem ao serem infantilizados por serem idosos.

O que se pode concluir com isso é que há os que podem atribuir essas condições como o “idoso difícil e chato”, que envelhecer é complicado, e assim, perderem a paciência, querendo se “livrar do problema”; e por fim, se afastam do idoso. Isso só piora a situação do idoso e se torna oportunidade para o surgimento de outras patologias, mentais e físicas.

O que se pode sugerir é mudar a cultura estereotipada de que idoso não tem futuro e, portanto, não poderia sofrer de ansiedade; compreender que a atitude do cuidador e dos familiares pode contribuir para atenuar ou agravar a instalação da ansiedade; desenvolver a percepção mais delicada, sem infantilizar, mas respeitando o envelhecer; buscar o auxílio profissional para compreender as necessidades e especificidades do envelhecer, não apenas oferecendo maior conforto, mas também, qualidade de vida e promoção da saúde, para que a ansiedade no envelhecer seja apenas em saber “qual a próxima excursão ou atividade prazerosa irei fazer?”

Referências

BERNARDINO, A.R.P. Depressão e ansiedade em idosos institucionalizados e não institucionalizados: valorizar o envelhecimento. Tese. Universidade da Beira Interior, 2013. Disponível em: https://ubibliorum.ubi.pt/bitstream/10400.6/2696/1/Tese%20final.pdf.

MANZARO, S.C.F. Alzheimer: identificar, cuidar, estimular. 1 ed. São Paulo: Portal Edições, 2017. (p. 27 – 46).

SANTOS, K.A.S.; CENDOROGLO, M.S.; SANTOS, F.C. Transtorno de ansiedade em idosos com dor crônica: frequência e associações. Rev. Bras. Geriatr. Gerontol., Rio de Janeiro, 2017; 20(1): 95-102. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbgg/v20n1/pt_1809-9823-rbgg-20-01-00091.pdf.

 

 

Jorge Vieira de Oliveira

Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bacharel em Psicologia pela Universidade Nove de Julho. É professor universitário dos cursos de Psicologia e Pedagogia para graduação e pós-graduação. Realiza atendimento psicológico de adolescentes, adultos e idosos atuando no contexto da ansiedade e depressão. E-mail: [email protected].

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Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bacharel em Psicologia pela Universidade Nove de Julho. É professor universitário dos cursos de Psicologia e Pedagogia para graduação e pós-graduação. Realiza atendimento psicológico de adolescentes, adultos e idosos atuando no contexto da ansiedade e depressão. E-mail: [email protected].

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