Alzheimer: a obrigação do cuidar, com quem fica?

Há uma questão muito importante para reflexão: o cuidar é por amor ou por obrigação? Essa obrigação então é da família, de forma afetiva e legal assim como consta no Estatuto do Idoso. Porém, temos sempre que analisar a questão pensando no bem maior que é o nosso ente querido. Embora o direito dele de permanecer junto à sua família deva ser validado, alguns casos mostram que algumas famílias não são o melhor lugar para uma pessoa doente ou idosa estar.

Simone de Cássia Freitas Manzaro *

 

alzheimer-a-obrigacao-do-cuidar-com-quem-fica“Cresci ouvindo-a dizer que quando ficasse velha queria ir para um asilo e não dar trabalho para filho nenhum”.

Quem já não ouviu algo parecido? Dói em pensar que nossos pais, avós ou algum familiar em idade mais avançada possa se sentir assim, como algo ou alguém que irá atrapalhar a vida de outro futuramente. E isso é mais frequente do que se pode imaginar.

Quando um ente querido é diagnosticado com Alzheimer, uma grande mudança ocorre no seio familiar que, na maioria das vezes, se dissolve em vez de unir-se. A família começa a experimentar diversos sentimentos frente a este desconhecido, a angústia surge no momento em que, lidar com a finitude do outro faz com que possam refletir sobre sua própria finitude; o medo irrompe na fala, a exaustão física surge sem ao menos ter sido convocada, aos poucos outros sentimentos começam a fazer morada.

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Logo, uma das primeiras questões a ser discutida nem chega perto de ser sobre o tratamento da pessoa doente e sim com quem ela ficará, quem será o filho cuidador, com quem ficará esta ‘obrigação’.

Quando nos referimos ao cuidar da pessoa doente ou idosa, logo tomamos como referência a família, o cônjuge, os filhos ou, na ausência destes os parentes mais próximos. Às vezes, o cônjuge já não está mais presente; em outros casos está tão doente quanto. Os filhos acabam tomando para si novas funções dentro desta família. Existe o filho que, por acreditar que ninguém cuidará melhor do que ele, assume o papel de cuidador principal; o filho que de alguma forma auxilia o ‘principal’ seja financeiramente ou afetivamente etc.; e o filho que se ausenta, por não ter condições emocionais de acompanhar este cuidado ou talvez por outros motivos que não nos cabe julgar.

Então, entramos em uma questão muito importante para reflexão: o cuidar é por amor ou por obrigação? E essa obrigação então é da família, de forma afetiva e legal assim como consta no Estatuto do Idoso. Porém, temos sempre que analisar a questão pensando no bem maior que é o nosso ente querido. Embora o direito dele de permanecer junto à sua família deva ser validado, alguns casos mostram que algumas famílias não são o melhor lugar para uma pessoa doente ou idosa estar, pois os maus tratos não só físicos, mas principalmente psicológicos, podem ser mais perturbadores do que qualquer guerra declarada.

Como diria Leonardo Boff, “O que se opõe ao descuido e ao descaso é o cuidado. Cuidar é mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro”.

Cuidar daquele que um dia cuidou de nós com tanto amor, carinho e ternura jamais pode ser uma obrigação e sim um pouco de amor, respeito e carinho encontrando o seu lugar de volta.

* Simone de Cássia Freitas Manzaro – Psicóloga formada pela Universidade Nove de Julho, realiza atendimento psicológico de adultos e idosos. É voluntária na Associação Brasileira de Alzheimer-ABRAz. Possui experiência em estimulação cognitiva para pacientes com demências, principalmente Demência de Alzheimer; atua também com estimulação cognitiva preventiva; Realiza consultoria gerontológica, orientando familiares e cuidadores, criando estratégias e atividades para lidar com o paciente no dia a dia, supervisionando treinamento prático. É membro colaborador do site Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected]

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