A vivência em sua empatia

Eu sou uma daquelas pessoas que sente o sofrimento dos outros. Na minha vivência vejo um monte de gente perdendo entes queridos, e como eu vou conseguir ficar contente vendo isso? Eu sinto a dor como se fosse em mim.

Bruna Rinaldi (*)


Lourdes B., 74 anos, foi entrevistada por mim em junho, sobre o impacto do Covid-19 em sua vivência no dia a dia. Ela está consciente das informações sobre o coronavírus, principalmente sobre os diversos cuidados que deve ter. O que a mantém seguindo em frente num período tão difícil como este são suas perspectivas de futuro. O momento de isolamento, para ela, se dá de uma forma muito desafiadora. O fato de ter que ficar em casa, constantemente, para uma senhora que é ativa, faz com que ela procure outros recursos para lidar com essa ansiedade. Como por exemplo: cuidar da sua criação de bichos, das suas plantações, e do seu marido.

É interessante perceber a resiliência e paciência de Lourdes B. para lidar com este período. Vamos à entrevista?

Como sua família tem influenciado e ajudado nesses tempos de isolamento social? 
Eles me ligam pra saber como eu estou, querem saber como estou me sentindo, se peguei o vírus ou não, eu falo que estou bem e graças a Deus não peguei nada.

Você tem falado bastante com a Djane (sua sobrinha que mora no Pará), né?
Tenho falado bastante com ela, antes de ontem eu falei com ela também. Eles pegaram o vírus Bruninha, todos tiveram! Ela teve sintomas fracos, mas o irmão dela teve mais forte, ficou com cansaço e tudo. Mas de uma maneira geral, estão todos me dando força, se comunicando comigo, me desejando saúde, e pela minha idade eu acho que eu estou bem, graças a Deus!’

Eu também acho, você está ótima, com saúde!
Sim! Eu tenho 74 anos, né? E eu estou aqui andando, conseguindo fazer as minhas coisas. Sempre andando com a minha máscara, também não vou na rua por qualquer coisa. Só vou seis e meia da manhã no mercado comprar minhas coisinhas. Eu preciso tomar cuidado, né Bruninha? Estou com o Sérgio aqui, que está doente, e se eu pegar qualquer coisa passo para ele.

Em sua vida, já teve algum período em que você se sentiu de forma similar a como se sente neste momento? Como foi e como você lidou com isso?
Olha Bruninha, eu acho que eu passei isso no momento que tive a Dengue. Você lembra da Dengue né?

Lembro sim!
Foi muito forte, eu tive a primeira dengue, quase que me mata! Mas não foi igual a esse momento, a dengue quase me matou mesmo, mas eu ainda acho que foi um pouco melhor do que esse momento que estamos vivendo agora. Na dengue eu fui pro hospital, tive que ser medicada, e melhorei bem. Mas essa eu estou tendo muito medo, e olha que eu nunca tive medo de doença, a primeira vez é essa, que essa aí é grave, viu?’

Sim, mas é mesmo! Temos que tomar cuidado, fico feliz em saber que você está atenta e sabendo que é grave mesmo. Se você pudesse escolher um lugar para ir agora, qual seria? Levaria alguém? Quem?
Levaria! Eu levaria meu marido para o estado do Pará comigo.

Você ficaria com a sua família lá?
Sim! Queria estar junto da minha família e com ele! Se for pra eu escolher era lá!

Como você está se sentido com o isolamento social?
Ah Bruna essa é fácil de eu responder, eu me sinto muito mal! Me sinto assim de ficar um dia inteiro em casa, cuidando do meu marido, não podendo sair; tem dias que eu quero comprar as coisas e não vou por medo; eu sou obrigada a sair às seis e meia da manhã pra ir no mercado, já pergunto que horas que abre pra assim que abrir eu já estar lá. Nunca tem ninguém, compro o que tenho pra comprar e venho embora. Se eu esqueço de alguma coisa, nem volto lá pra buscar, fico em casa o dia todo. Tem dias que eu nem abro a minha porta, fico totalmente isolada.

Mas me diz como você está se sentindo, está ansiosa?
Ah, tô ansiosa pra sair Bruna! Pra ir trabalhar, pra ficar no meu serviço, voltar pra casa tranquila depois, vontade de dar um passeio. Se você se vê presa dia e noite, e não poder sair, é triste! Eu estou aguentando porque eu tenho muita paciência, porque se eu não tivesse, como muitos não tem, eu já tinha saído de casa, eu não ia respeitar.

Está muito difícil para todo mundo, mas assim que acabar tudo isso vamos passear bastante juntas. Você acha que vai levar algo positivo dessa situação?
Ah Bruna, eu espero que sim viu! Mas está meio difícil, não está muito fácil não. Morreu muito amigo meu no Pará.

Tá muito difícil, né? Na maioria das vezes a gente não consegue pensar em algo bom.
É exatamente isso Bruninha, eu sou uma daquelas pessoas que sente o sofrimento dos outros também. Eu vejo na televisão um monte de gente perdendo entes queridos, e como eu vou conseguir ficar contente vendo isso? Eu sinto a dor como se fosse em mim.

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A convivência diária e constante com a(s) mesma(s) pessoa(s) durante a quarentena têm sido algo confortável ou está sentindo um incômodo?
Não estou achando muito difícil não porque eu estou perto do Sérgio, sempre junto dele, cuidando dele. Ele melhorou muito, estamos conversando mais para lidar com as coisas. Eu dou uma outra comida para ele, uma mais saudável e ele está aceitando, estamos indo bem agora, acho que melhorou porque eu estou em casa. Eu não estando em casa, eu não consigo garantir nada da alimentação dele, mas ele melhorou bem.

Então vocês não estão discutindo né (rs)?
Ah, mais ou menos né Bruninha (rs). Às vezes sai umas discussões porque ele quer fazer as coisas erradas e eu não deixo, para o bem dele. Falo para ele que quero cuidar dele, mas numa boa, tudo bem que a gente vai morrer logo logo, já temos idade! Mas se a gente se cuidar um pouquinho, vivemos um pouco mais!

Como o isolamento social está afetando e evocando mudanças no estilo de vida?
Olha Bruna, mudou porque tenho que ficar aqui. Até que eu estou descansando bem, viu? Mas eu trabalho mais em casa do que no meu serviço, aí eu gosto mais de estar no meu serviço porque dá para eu descansar mais um pouco, já que aqui não dá. Eu me levanto seis horas da manhã e só vou dormir dez horas da noite, cuidando de uma coisa e outra, tendo que dar remédio pro Sergio, a rotina é essa…mas tudo bem, estou me acostumando!

Mas pelo menos deu para você descansar um pouco mais né?
Deu, deu bastante!

O período de isolamento mudou seu jeito de comer e a duração do seu sono?
Não, não mudou nada! Está normal para mim.

Está conseguindo dormir bem né?
Durmo bem, normal, como sempre dormi Bruninha.

E as suas comidinhas? Está comendo bem?
Ah comidinha caseira, né? Minhas saladas, aquele peixe tilápia que eu te falei, as minhas canjas, faço aquelas canjas que eu sempre fiz. Comida leve mesmo!

Quais são as suas expectativas para quando esse momento passar?
Minha expectativa para quando isso passar é eu conseguir ir até o meu serviço, toda alegre, animada (rs). Conseguir sair todo dia, conseguir ficar com você.

A gente conseguir ficar junta um pouquinho né?
Exatamente! Queria sair um pouco, arejar um pouco a minha cabeça. Tem horas que eu fico tanto aqui que fico confusa, não sei o que eu faço, tem horas que eu não sei onde eu estou. Desse jeito é até perigoso entrar em uma depressão, eu não entro porque tenho muita coisa para fazer, me ocupo bastante, cuido da minha criação, das minhas galinhas e dos meus pintinhos, colho uma verdura no meu quintal, fico feliz com essas coisinhas.

Como tem passado o tempo para você? Está passando depressa ou mais devagar?
Ai Bruna, está demorando muito! Estou achando também que está demorando demais para isso acabar, tomara que termine logo, e libere a gente pelo menos para fazer o nosso serviço, conseguir ir no mercado mais sossegada, por exemplo. Sempre usando a máscara, lógico!

Você está sentindo, então, os dias mais devagar né?
Parece que o dia não corre, faço uma coisa, faço outra, para ver se o dia passa logo. Faço isso para não ficar parada pensando em toda essa situação, em tanta coisa ruim, porque eu tenho que esperar de qualquer forma. Tenho que ficar calma, não posso me desesperar, eu me sinto muito mais leve quando penso que uma hora tudo isso vai terminar. Deus vai me dar paciência para passar por esse momento.

(*) Bruna Rinaldi – Aluna do 5º período da graduação do curso de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Trabalho escrito na disciplina “Velhos nas peças de teatro”, ministrada pela profa. Ruth Gelehrter da Costa Lopes, que teve como proposta analisar como o teatro oferece farto material sobre o processo de envelhecimento contemporâneo. E-mail: [email protected]

Foto destaque de cottonbro de Pexels


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