“A solidão, assim como a estupidez, é inerente ao ser humano”

Ramón Lobo, escritor e jornalista espanhol, fala sobre o seu novo livro que investiga a solidão escolhida.


À primeira vista Ramón Lobo pode ser um marinheiro solitário, um adorável Papai Noel ou um eremita nômade. Ele mesmo diz: Divirto-me em imaginar vidas, personagens, situações. Você precisa imaginar para viver. Assim começa a entrevista de Olga Rodríguez para elDiario.es, feita ao jornalista, correspondente de guerra, grande viajante. Lobo confessa em seu novo livro que a maior de suas viagens atuais é provavelmente aquela que faz de fora para dentro, aquela de dentro onde brinca implacavelmente com a imaginação, fala com os mortos e seu viver dá vida a seus objetos e sente sua casa e sua vizinhança como as últimas barricadas de afeto em um mapa de solidões escolhidas.

Olga Rodríguez escreve que essa solidão escolhida por Lobo (em inglês, solitud), diferente da imposta (loneliness) é a protagonista de seu novo livro, As cidades evanescentes (Ed. Península/Espanha), em que também aborda outros temas como a pandemia, o futuro de cidades habitáveis, jornalismo, a importância dos objetos escolhidos como extensão de si, a despensa dos afetos, as distâncias impostas pela COVID-19 e as já existentes antes do vírus, de uma forma de vida “digital e apressada”.

A solidão e a solitude foram temas de uma live realizada pelo Portal do Envelhecimento recentemente, com Vera Brandão e Marie Claire Eshkenazy. Nesse diálogo, que pode ser visto no vídeo a seguir, fica claro a diferença entre os termos.

Segundo Olga Rodríguez, as cidades evanescentes é uma conversa que o autor mantém consigo mesmo desde essa solidão procurada e, por meio dela, paradoxalmente, oferece um acompanhamento caloroso, quase caseiro, de lareira e manta. Vamos à entrevista de Olga Rodríguez?

Como surgiu a ideia deste livro?
Tudo começou há mais de dois anos quando estive em Nova York, uma cidade que sempre gostei, na qual me sinto em casa. Como diz o livro de White, é a capital dos danificados. Como estou danificado e sei disso e não me importo, ali me encontro perfeito. Todos estão muito próximos, mas todos em seu lugar. É a cidade perfeita para a solitude, a solidão escolhida. O problema é que se você tem solidão – solidão imposta (loneliness) – é a cidade errada, e se você sente um vazio existencial (emptiness), você está ferrado. Naquela ocasião desembarquei em Nova York e foi como se nada funcionasse, como se eu tivesse entrado no palco e visto toda a mentira da cidade. As pessoas não me cumprimentaram, certamente nunca o fizeram, não sorriram para mim, provavelmente nunca o fizeram, se eu segurasse uma porta, não me agradeciam…. Desta vez, tudo isso me pegou.

Por que você acha que isso aconteceu?
Porque eu já estava assim em Madrid. Tinha acabado de ver como meu bairro madrilenho estava desaparecendo, desaparecendo-se, com lojas para turistas, lojas próximas fechando. Por exemplo, um supermercado atrás do mercado de San Miguel que eu realmente gostava muito mudou para um Ale-Hop. O dia em que fecharão os Ale-Hops será o sinal de que os novos tempos começam. Meu bairro estava cheio de turistas, gente com celular que não via a cidade, mas via a cidade pelo celular. Acho que foi isso que causou minha má entrada em Nova York. Então comecei este livro. Voltei para Nova York no natal passado, quando o livro estava quase pronto, e foi fantástico, me senti bem na cidade novamente.

Por quê?
Porque eu já tinha me curado com todo esse processo psicológico que é este livro, para isso é que ele serve. E também deixei crescer uma barba bem comprida, então todos me viram e até me tocaram, uma vendedora da Macy’s me disse que eu era um Papai Noel muito autêntico. Eu estava finalmente visível e foi fantástico.

E então veio a pandemia
Bem quando acabei de terminar o livro. A princípio pensei que deveria jogá-lo fora, mas então percebi que agora fazia mais sentido. Eu tinha escrito um livro no ar e agora é um livro sobre as raízes. Mas não pode perder seu objetivo, que é um livro sobre a solidão, não sobre a pandemia. O que a pandemia fez foi multiplicar o que já existia.. 

O que mudou no livro?
Não mudei muito, simplesmente só reorganizei, tirei um pouquinho, coloquei outro. Mas não sabia o que era presente e o que era passado. Então decidi que tudo o que não fosse absolutamente estável, como a solidão, estupidez ou medo, seria passado. Isso me desbloqueou e deu um significado ao livro que antes não. 

O que é isso que a solidão e a estupidez são estáveis?
São porque nunca vão desaparecer, são inerentes ao ser humano. A estupidez é evidente, somos todos estúpidos, o que acontece é que temos graus de estupidez. Todos nós somos estúpidos sobre muitas coisas, mas alguns não. O que acontece é que tem gente que consegue ser estúpida em quase todas as coisas. Pelo menos em quase todas as visíveis. Isso não vai desaparecer. E a solidão tampouco vai desaparecer, que as pessoas se sintam sozinhas. Devemos distinguir entre a solitude, que é algo positivo, e o vazio, a emptiness… 

Você fala no livro dessas diferenças entre as solidões, reivindicando a sua própria solidão.
Solitude é quando você sai e tem vontade de ficar sozinho. Você ativa o seu mundo e pronto, você não precisa de nada, fica feliz, como em casa. Por exemplo, na minha casa tenho muitos objetos que falam comigo, que têm um nome, então estou bem aí. Eu não estou tentando fugir. Não fui uma pessoa que passou 14 horas em um jornal ou em uma redação porque não queria ir para casa, gosto da minha casa, fui para uma redação porque era meu trabalho, e se fui para a guerra, era porque era meu trabalho, não fugir de nada. Mas já vi gente no meu trabalho que ficava ali o dia todo, como se fugisse de alguma coisa. Uma vez eu disse a um deles: “Se não queres ir para tua casa, se quiser, eu vou por você.”

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E por que a necessidade de falar sobre a solidão ligada às cidades neste momento de sua vida?
Bem, porque Itaca é na realidade a morte. No começo, quando você é jovem, você corre, não percebe nada. Mas chega uma idade em que você começa a desacelerar: por que vou correr se já sei para onde estou indo. Você começa a perceber as nuances, os cheiros, os sabores de outros tipos de coisas que você gosta. Estou em um momento em que estou me revisando. E mais com a aposentadoria iminente, preciso sentir aquele tipo de pertencimento a um lugar que não tenho, que tive em algum momento de Madrid em alguns bairros, mas agora perdi.

Eu não encontrei nenhum site. Então eu volto para o meu bairro, quero recuperar meu bairro, para torná-lo um lugar onde eu me sinta confortável novamente. E, nesse sentido, a pandemia é uma oportunidade para repensar os bairros, para nos repensar.

solidão

Qual seria o seu ideal de Madrid?
Uma Madrid onde você pode se mover com segurança de bicicleta, com pistas separadas. Que os bondes voltem, que haja menos carros, mais assentos, mais bancos, mais lugares para compartilhar. Que existe uma praça chamada Plaza da Conversação. Uma cidade que anda devagar, com vereadores mais corajosos. Não há ninguém que tenha um plano de cidade de vinte anos. Temos que ter e que seja um em que a gente, as pessoas, possam ser protagonistas novamente.

Leia a entrevista na íntegra clicandp aqui.

Foto destaque de Umberto Shaw no Pexels


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