A “Discricionariedade técnica” (e não só ela) e os mecanismos de participação social

Os pagadores de tributos deveriam ter mais direitos respeitados quando o assunto é onde o Governo irá gastar o dinheiro do Erário à implantação de políticas públicas. A população idosa precisa ter espaço e direito à voz na construção de problemas complexos para situações difíceis.


Pesquisa da Professora Élida Graziane(1) sobre os direitos fundamentais, políticas públicas e os conflitos distributivos e alocativos no orçamento público traz à tona um ponto que merece uma maior reflexão quando a pesquisadora, aponta na página 108 de seu livro o seguinte:

“Juridicamente, não se pode admitir que a política fiscal refletida na peça orçamentária seja intangível aos controles parlamentar, judicial e social, porque se trata de área de domínio técnico-econômico: nenhum tema do mundo da vida pode ser afastado da tematização democrática na esfera pública, por mais pretensamente técnico que seja”.

Esse apontamento traz à tona a permanente necessidade de utilização e de aperfeiçoamento constante na utilização de mecanismos que incentivem e fortaleçam a participação cidadã na decisão sobre políticas públicas.

Sobre o tema, trago outra pesquisa(2) de Jean-Benoit Pilet, Damien Bol, Emilien Paulis, Davide Vittori e Sophie Panel. Dessa vez, os autores tratam a respeito das Assembleias de Cidadãos que ocorreram em quinze países da Europa Ocidental: Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Irlanda, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Espanha, Suécia, Reino Unido.

Tais Assembleias são fóruns de debate entre cidadãos escolhidos por sorteio, interessados em deliberar sobre temas de interesse comunitário, de uma região específica ou de um maior espaço geográfico. A experiência não é recente, como já ocorrera nos últimos anos, com experiências de sucesso no Canadá, em Ontário e Columbia Britânica. Nos últimos meses, Gales, França e Inglaterra tiveram eventos desse tipo para tratar sobre o clima. A Irlanda, sobre o aborto.

A pesquisa dos autores europeus aborda a relação entre a democracia representativa e a democracia deliberativa, onde “um grupo de cidadãos selecionados por sorteio para deliberar e formular recomendações de políticas sobre algumas questões controversas”, sendo que o apoio às assembleias de cidadãos “aumenta quando os entrevistados sabem que seus concidadãos compartilham a mesma opinião que eles em alguns problemas”.

A relação entre a pesquisa feita no Brasil e a pesquisa feita em quinze países europeus me fez refletir sobre a possibilidade de mixar o modelo canadense e europeu no cenário brasileiro.

O modelo de assembleias de cidadãos não delibera unicamente o aspecto orçamentário de uma política pública, mesmo que em determinado momento do planejamento e da execução daquela política pública, o aporte de recursos orçamentários seja bastante provável.

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O mecanismo conceitual do diálogo em busca de consensos entre pessoas que nem sempre têm o mesmo interesse comum que apresentado pela Professora Élida é uma premissa necessária à evolução democrática do Brasil. Os pagadores de tributos, de Norte a Sul, Leste a Oeste da Terra Brasilis deveriam ter mais direitos respeitados quando o assunto é onde o Governo irá gastar o dinheiro do Erário à implantação de políticas públicas do Oiapoque ao Chuí, de Ponta do Seixas à nascente do Rio Moa. É saúde, é previdência, é segurança pública, a assistência social, é o trabalho (isso mesmo, muitos dos idosos, depois de aposentados, precisam voltar ao mercado de trabalho), mas não só isso: é o transporte público, a cultura, o desporto e o lazer e por aí vaí.

Estão os governantes brasileiros abrindo espaço e criando oportunidades para ouvir as pessoas idosas? O diálogo entre agentes públicos eleitos para mandados com datas definidas para começar e terminar e os técnicos de carreira (por vezes, também, é claro, os cargos comissionados, a cereja do bolo suculento que brilha aos olhos dos políticos de todos as correntes ideológicas) precisa ser aberto à população interessada, seja os mais céticos em relação à democracia, seja aos mais fiéis ao espírito democrático, constitucionalista e republicano.

A “Discricionariedade técnica” (e não só ela, pois há discricionaridade também nos atos dos agentes eleitos) e os mecanismos de participação social precisam ganhar novos espaços de participação popular. A população idosa precisa ter espaço e direito à voz na construção de problemas complexos para situações difíceis.

Notas
PINTO, Élida Graziane. Financiamento de direitos fundamentais: políticas públicas vinculadas, estabilização monetária e conflito distributivo no orçamento da União do pós-Plano Real. Belo Horizonte: O Lutador, 2010. Disponível em: http://www.mpc.sp.gov.br/wp-content/uploads/2014/06/Financiamento-de-Direitos-Fundamentais-Elida-Graziane_PRINT_08-06.pdf.

PILET, Jean-Benoit; BOL, Damien Bol; PAULIS, Emilien; VITTORI, Davide Vittori; PANEL, Sophie. Public Support for Citizens’ Assemblies Selected through Sortition: Survey and: Experimental Evidence from 15 Countries. SocArXiv, 12 Sept. 2020. DOI: 10.31235/osf.io/dmv7x. Disponível em: https://files.osf.io/v1/resources/dmv7x/providers/osfstorage/5f5b8d59b9173400f90a415c?action=download&direct&version=2.

Foto de Karolina Grabowska de Pexels

Luiz Carlos Betenheuser Júnior

Graduação em Administração (UFPR); pós-graduação/especialização em Gestão Administrativa e Tributária (PUC-PR) e em Administração Pública pela Escola de Administração Pública (EAP / IMAP). É funcionário público municipal, 25 anos de experiência, sendo dois na área administrativa e os outros 23 anos na área financeira. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Pública, especialmente na área Financeira, na gestão orçamentária (execução, planejamento e controle social). Foi integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC (2003); do Conselho Municipal de Assistência Social (2013 e 2014); Vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2015) e por duas vezes presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2014 e 2016); integrante do Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente de Curitiba (2017). Atualmente é coordenador financeiro da Secretaria Municipal de Administração e de Gestão de Pessoal e da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude.

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Graduação em Administração (UFPR); pós-graduação/especialização em Gestão Administrativa e Tributária (PUC-PR) e em Administração Pública pela Escola de Administração Pública (EAP / IMAP). É funcionário público municipal, 25 anos de experiência, sendo dois na área administrativa e os outros 23 anos na área financeira. Tem experiência na área de Administração, com ênfase em Administração Pública, especialmente na área Financeira, na gestão orçamentária (execução, planejamento e controle social). Foi integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba - IPPUC (2003); do Conselho Municipal de Assistência Social (2013 e 2014); Vice-presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2015) e por duas vezes presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa Idosa de Curitiba (2014 e 2016); integrante do Conselho Municipal de Direitos da Criança e Adolescente de Curitiba (2017). Atualmente é coordenador financeiro da Secretaria Municipal de Administração e de Gestão de Pessoal e da Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude.

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