Violência na velhice: uma reflexão sobre o que a mídia não denuncia

Violência na velhice: uma reflexão sobre o que a mídia não denuncia

Parece haver um desconhecimento por parte da mídia acerca das violências nas velhices. Os veículos midiáticos, muitas vezes, retratam a pessoa idosa considerada abandonada pela família, como um indivíduo estereotipado e se utilizam de temáticas discriminatórias em falas vazias em suas formas de noticiar. Também apresentam o idoso como alguém provido de cuidados da família, não necessitando de maior atenção. Tanto nestas, quanto em outras inúmeras circunstâncias, o idoso pode estar sujeito a uma situação de risco. Cabe à sociedade conscientizar-se destas vivências, tomar eficiente conhecimento de seus direitos, denunciar a violência e cuidar das velhices.

Marcella Deribani Bonoldi e Ruth Gelehrter da Costa Lopes (*)

 

Este texto pretende abordar a aparente ausência de interesse no noticiar das violências e compreender a heterogeneidade da velhice, tentando analisar os tipos de agressão contra o idoso, as principais motivações para a negligência, frente à finitude, e o discurso narrado sobre a velhice.

É preciso falar de heterogeneidade quando falamos de seres humanos. A mídia, assim como constrói protótipos, idealiza modelos e cria estigmas para os jovens – não trata diferente quando apresenta a construção da velhice. A informação relacionada aos idosos enfoca temáticas que reforçam uma posição estereotipada: a do velho fragilizado. Para os mais velhos, este sofrimento pode ter significados infinitos que, uma vez que padecem das mesmas questões dos jovens, – conflitos com a realidade exterior e angústia fundante – deve dar conta também da sensação de desamparo, desproteção do presente, realidade de perdas funcionais, afetivas, sociais e existenciais e ainda lidar a perspectiva de finitude.

Sobre fragilidade

Fala-se sobre fragilidade, mas não se pergunta sobre qual fragilidade está se tratando, quais as possíveis formas de sentir-se frágil e o que, de fato, é estar fragilizado.

É possível pensar na fragilidade do ponto de vista funcional, que estaria relacionado diretamente com aspectos que interferem na qualidade de vida do indivíduo. Entretanto, deve-se diferenciar de incapacidade que seria o resultado de declínios cumulativos do sistema fisiológico causando vulnerabilidade social.

Recentemente, aborda-se a questão dos estressores (fatores externos: pobreza, conflitos familiares, etc) como agentes causadores de sofrimento, enfatizando a diferença na maneira do sofrer, a depender do contexto e época histórica em que se vive. Portanto, são fatores culturais e subjetivos que atravessam o indivíduo – e ainda sem dizer sobre o cidadão idoso – e constroem a situação de fragilidade.

O sentimento de fragilidade está presente em todos os indivíduos e cidadãos, no sofrimento do jovem de adiar uma satisfação diante o planejamento de um tempo futuro incerto e o sentimento de desamparo no idoso provocado pela desproteção no presente que, diante a proximidade da consciência de finitude, pouco age sobre o futuro, deixando a satisfação sem realização. Este sentimento originário é condição estruturante da psique que funda a cultura e torna o sujeito um ser social.

Experiências como o medo, perda e decadência são algumas das maiores ameaças ao indivíduo e colocam este em situação de desamparo e fragilidade. Portanto, frente à perda da juventude, beleza e produtividade, o indivíduo sente o medo da marginalização do envelhecimento.

Do que (não) estamos falando?

Neste cenário, a fragilidade aparece como sendo a dos próprios jovens e família; oculta e omissa diante das fragilidades apresentadas pelo velho. Entrar em contato com esta demanda é também enfrentar os próprios medos e estar disposto a trazer luz ao desconhecido. Compreender a subjetividade do idoso implica em aproximar-se de sua própria finitude. Para isso, há de romper resistências.

Quando não há familiar que o sustente, o idoso sem anunciar, recruta e seleciona uma pessoa externa a família que o auxilia em suas necessidades. Provocados por este desamparo e diante das limitações orgânicas inegáveis, o idoso acaba por eleger uma pessoa como espécie de “guru”, podendo conceder a esta, liberdade para tomar decisões pessoais, fato este preocupante e, muitas vezes, ameaçador.

Idoso em situação de risco

Em circunstâncias em que a pessoa idosa encontra-se em vulnerabilidade social é chamado de idoso em situação de risco, que é aquele que, de acordo com o Estatuto do Idoso, tem seus direitos violados ou ameaçados por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; por falta, omissão ou abuso da família, curador ou entidade de atendimento. O idoso que não esteja mais lúcido e não tenha família ou esta esteja ausente, pode se tornar vítima de violência física, psicológica ou financeira.

Tipos de Violência

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Muitos são os tipos de violência que os idosos estão expostos. A violência física consiste de maus tratos com uso da força física como socos, tapas, empurrões, retirada de alimentação e cuidados médicos, excesso de medicação, causando sedação, intoxicação e outros sintomas. Este tipo de violência pode produzir lesão, ferida, dor ou incapacidade. Mais silenciosa, é a violência emocional/psicológica como os maus tratos através de humilhação, xingamentos, infantilização do idoso, privação de informação e isolamento social intencional. São ações que por meios de expressões verbais – e não-verbais – causam sofrimento e angústia.

A violência econômica é o abuso financeiro ou material que consiste na exploração imprópria e ilegal e/ou uso não consentido de recursos de um idoso. Os exemplos podem ser: retirada de pensão, uso inadequado do dinheiro sem autorização, coação para assinatura em procuração com plenos poderes, forçar a venda de bens ou mudar testamento. Existem situações em que o agressor pode proibir visitas ao idoso, inventando desculpas – e mesmo dizendo que ele mesmo decidiu por isto – e muitas vezes o idoso diz, por convencimento.

Por fim, a negligência trata da recusa ou falha em cumprir a responsabilidade no ato de cuidar do idoso, e se expressa na falta de cuidados. Este tipo de violência pode combinar-se com a violência econômica quando, ao sinal de negligência por parte da família, uma pessoa estranha aproveita-se da vulnerabilidade do indivíduo, promovendo cuidados e aproveitando-se da gratidão e boa fé, ameaçando desta forma seus recursos financeiros.

Em todos os tipos de violência é válido ressaltar que os maiores agressores são membros da família, que por desconhecimento e afastamento de seu sofrimento, colocam a velhice em lugar marginalizado. Deixa-se, assim, de estabelecer uma relação com o idoso, como patrimônio, fonte de experiência e amparo emocional, passando a ser encarado como encargo social. Esta perda na participação na vida familiar e valorização de sua figura, leva a um fortalecimento do discurso que a mídia narra sobre a representação de uma identidade genérica da velhice. Este posicionamento abre espaço para uma cultura que resiste ao declínio biológico normal respondendo com negação ou hostilidade aquilo que assusta.

Direitos e medidas de proteção ao idoso

Tomar conhecimento sobre os direitos da pessoa idosa assegura o próprio idoso sobre como orientar-se na condução de suas necessidades. O idoso tem sua participação na vida familiar quando esta valoriza sua presença, seja pelo afeto ou outras questões singulares. Quando a pessoa idosa está em situação de fragilidade tem por direito pedir auxilio da família nos cuidados pessoais ou de amparo financeiro. Se for verificado que o idoso está em situação de risco, este pode outorgar mandato, por meio de procuração, para que uma pessoa de sua confiança realize atos e/ou transações financeiras. Além disso, um promotor de justiça ou juiz pode aplicar uma das Medidas de Proteção ao Idoso, previstas no Estatuto, bem como outras medidas que se façam necessárias. Casos de idosos em situação de risco também podem e devem ser denunciados na Promotoria de Justiça da cidade em que reside a pessoa idosa.

Pensando no bem estar psíquico, é necessário que o idoso possa contar com vínculos significativos, tanto permanentes quanto renováveis para que seja possível resignificar papéis sociais perdidos e estabelecer novos desejos – obter informações e usufruir do atendimento de diversos programas que oferecem assistência e promovem projetos que trabalham de forma preventiva, em favor de um envelhecimento voltado à vida e aos vínculos, e não mais à morte, faz parte do direito do cidadão idoso. Além disso, ações que colocam a pessoa idosa como ser ativo e participativo, em que seus desejos orientam práticas, trabalhando a grupalidade e a mudança do imaginário social sobre a velhice.

Projeto de envelhecimento para a sociedade

Observa-se que além do envelhecimento biológico normal, a figura do idoso aparece de forma negativa, em que seu contato com a finitude é negligenciado pelo produto de uma cultura que hostiliza, afasta e rejeita a perda da juventude, acabando por resultar em uma população idosa que pode levar ao caminho da dependência e situações diversas de fragilidade.

Reconhecer a posição de vulnerabilidade social é o primeiro passo para localizar fragilidades no idoso e estar atento para possíveis situações de risco e, a partir daí, não mais tratar, mas cuidar de sua vivência e construir um projeto voltado à vida.

Cabe a população como produtora e narradora de discursos estigmatizantes promover uma sociedade livre de visões estereotipadas sobre a velhice. Romper com resistências é caminhar para transformações de todos os indivíduos enquanto sujeitos, agentes de si e cidadãos, agentes formadores da sociedade.

Pensando nisso, a utilização dos veículos midiáticos, como ferramenta de promoção destes novos discursos sobre o envelhecimento, torna possível uma eficaz e criativa aproximação de gerações, levando ao público ideias acerca da heterogeneidade da velhice e revelando as motivações com relação a atitude atual frente ao envelhecimento.

Em uma sociedade em que acolhe a velhice, há compreensão do declínio biológico natural, seus modos de sofrer e respeito a seus direitos – continua-se criando subjetividades, ressignifica-se papéis sociais, participa-se da vida familiar, contempla-se desejos, descobre-se potencialidades, constrói projetos.

Tomar consciência e aproximar-se da finitude é dever de todos que um dia irão envelhecer. Com investimento nas velhices e na própria construção de si, a violência ao idoso não impera.

Referências (consultadas)

CÔRTE, B. Velhice e violência na mídia impressa. Rumores, Brasil, v. 1, n. 1, dec. 2007. ISSN 1982-677X. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/Rumores/article/view/51096>. Acesso em: 07 maio 2016.

GUIA PRÁTICO DE DIREITOS DA PESSOA IDOSA / UNESP, Pró-Reitoria de Extensão Universitária – São Paulo: Cultura Acadêmica, PROEX, 2013.

LIMA, M.P. (2014). Violência contra idosos continua. Disponível em: <https://www.portaldoenvelhecimento.com/violencia/item/3222-viol%C3%AAncia-contra-idosos-continua>. Acesso em 06 maio 2016.

PORTAL DO ENVELHECIMENTO. Abusos contra idosos crescem e preocupam Ministério Público. Disponível em: <https://www.portaldoenvelhecimento.com/violencia/item/2763-abusos-contra-idosos-crescem-e-preocupam-minist%C3%A9rio-p%C3%BAblico>. Acesso em 06 maio 2016.

SESC/SP; PUC/SP (2006). Velhices: Reflexões Contemporâneas. São Paulo: SESC: PUC.

 

(*)Marcella Deribani Bonoldi – Aluna do curso de graduação de Psicologia, da Pontifícia Universidade Católica – PUCSP, 5º semestre. Ruth Gelehrter da Costa Lopes – Supervisora Atendimento Psicoterapêutico à Terceira Fase da Vida. É docente do Programa de Estudos Pós Graduados em Gerontologia e do Curso de Psicologia, FACHS.

 

Ruth G. da Costa Lopes

Psicóloga, mestrado em Psicologia Social pela PUC-SP e doutorado em Saúde Pública pela USP. Atualmente é professora Associada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo na Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Gerontologia e Psicogerontologia, atuando principalmente nos seguintes temas: processo de envelhecimento, psicoterapia em grupo para idosos, velhice e família. E-mail: [email protected]

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Ruth G. da Costa Lopes

Psicóloga, mestrado em Psicologia Social pela PUC-SP e doutorado em Saúde Pública pela USP. Atualmente é professora Associada da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo na Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde. Tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Gerontologia e Psicogerontologia, atuando principalmente nos seguintes temas: processo de envelhecimento, psicoterapia em grupo para idosos, velhice e família. E-mail: [email protected]

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