Usuário-repórter entrevista Francisca Marques da Silva, 104 anos

Usuário-repórter entrevista Francisca Marques da Silva, 104 anos

Lúcida, com ótima memória, cercada de filhos, netos, bisnetos e tataranetos! Essa é minha bisavó, a quem desejo homenagear por sua vida longa com saúde: Francisca Marques da Silva, de 104 anos de idade, nascida em 23 de março de 1907. Acredito que deve ser a mulher viva com maior número de descendentes!

Jarison Brito com a colaboração de Maria Lígia Mathias Pagenotto

 

Ao todo são 5 filhos vivos, 46 netos, 88 bisnetos e 9 tataranetos. Em sua longa vida, Francisca Marques da Silva viu 9 papas e se orgulha de ter visto 31 dos 36 presidentes do Brasil. Estava torcendo para ver uma mulher governar o país, o que, finalmente, com a eleição de Dilma Roussef, conseguiu!

Sua história

Minha bisavó nasceu em Mucunã, em Maracanaú (distrito de Maranguape até 1983), no Estado do Ceará. O município de Maracanaú fica na região metropolitana de Fortaleza. Minha bisa pouco saiu de seu lugar de origem. Seu pai se chamava Manoel Mergulhão e sua mãe era Maria Marques do Nascimento. Ambos nasceram em Jaçanaú, também em Maracanaú.

Desde que seu marido faleceu, em 1987, minha bisa mora com um filho e um neto.

Ela se casou em 1932, com João Gomes da Silva. Ao todo, tiveram 10 filhos, mas infelizmente 5 já faleceram. A vida de minha bisavó e sua família sempre foi muito simples: dos 10 filhos, apenas uma, Maria da Penha, concluiu, aos 70 anos de idade, o ensino fundamental. Curiosidade: isso foi em 2010, na escola Maria Marques do Nascimento (o nome da mãe da minha bisavó Francisquinha). Os outros filhos conseguem apenas escrever o nome.

O lugar onde ela nasceu se emancipou de Maranguape nos anos 1980, tornando-se um município. Onde ela nasceu, havia, segundo conta, no máximo 20 casas e as terras eram divididas entre as famílias tradicionais da época. Hoje a região é bastante industrializada. Na época, as famílias tinham apelidos – a dela era Mergulhão. Também tinha a família Tibúrcio e a família de Bernaudo.

A bisa morou nesse lugar até os 6 anos de idade. Em 1913, seu pai recebeu uma proposta para trabalhar num engenho, para fazer cachaça, em Maranguape (cidade do nosso humorista Chico Anysio). Morou lá até os 12 anos.

Lembranças

Um fato marcante para ela aconteceu em 1914, quando seu avô paterno chegou em casa e disse para sua mãe: “Maria, pegue as crianças e se escondam no Mucunã, porque às 10 horas da noite os jagunços vão invadir Maranguape”. Era um grupo que queria derrubar o então governador Franco Rabelo, que governou o Ceará até março desse ano). Foi na época em que o padre Cícero ainda era vivo (ele morreu em 1934).

Outra memória marcante: a terrível seca de 1915 que assolou o Ceará (retratada pela escritora Rachel de Queiroz no famoso livro “O Quinze”) e também a seca de 1919 – para ela, a pior.

Foi nessa época que seus pais voltaram para o bairro de Mucunã e construíram ali três casas conjugadas. Ela é a quarta filha no grupo de 10 irmãos – seu último irmão morreu em 2007, aos 93 anos de idade. Ela lembra de sua mãe grávida de suas irmãs mais novas. Fala que quando sua mãe dava à luz, passava 15 dias sem tomar banho, apenas lavava as partes íntimas.

Costumes

Quando minha bisa nasceu, sua mãe tinha 22 anos. Sua mãe era quem fazia as tarefas domésticas. As meninas ajudavam também, mas os meninos ficavam só brincando (ela conta isso para falar do machismo da época).

Os hábitos que tinham em família eram os seguintes: nas refeições diárias, era feita uma roda no chão da sala, onde todos se alimentavam. Esse costume se estendeu na sua casa até meados dos anos 1990. Um prato que lembra bem que sua mãe fazia era o baião de dois. Para fazer o café era necessário esperar o grão torrar e pisar depois em cima. Nos dias de festa, o mais esperado era o arroz-doce e o doce de caju.

Suas brincadeiras de infância eram as cantigas de roda e brincadeira do anel. Para chegar até a praia em Fortaleza, caminhava cerca de 20 quilômetros. Isso na sua juventude!

As festas

Festas de família, se não fosse.m os casamentos, eram as festas de São João, organizadas pela bisavó do seu então futuro marido.

Muito dessa tradição é preservada até hoje. Muito católica, minha bisavó, e todo o pessoal da região, tem o hábito de rezar um terço em honra a São João Batista na festa de São João. No final da reza, é distribuído um aluá (bebida feita de coco babão ou babaçu com rapadura e outros temperos, como erva-doce, cravo, gengibre, entre outros). Essa receita, para não se perder, já foi passada para a filha Maria da Penha.

As histórias que mais escutava na infância eram sobre lobisomem e sobre o fim do mundo.

Da sua família, minha bisa conheceu apenas os avôs (homens), porque as mulheres morreram quando ela ainda era bebê e outra quando ainda nem tinha nascido. A bisa lembra que seu avô paterno morava com ela, e seu avô materno, com a tia Rosena.

Religião

Em Maranguape, tinha o costume, em família, de ir, todo domingo pela manhã, à missa na igreja. Ela diz que a religião ocupa um papel muito importante em sua vida, porque, sem Deus, diz, não teria encontrado forças para superar a perda de seus avós, pais, 9 irmãos, 5 filhos e de seu marido, com quem passou 55 anos casada. Quando seu pai faleceu, em 1934, ela tinha 27 anos, e sua mãe morreu aos 76 anos, em 1961. Ela tinha 54 anos.

Este ano, fizemos uma homenagem pelos 50 anos de falecimento de sua mãe. Ela é a única filha viva. Também participaram dessa celebração uma nora de sua mãe, de 92 anos, e os netos, bisnetos, tataranetos e os tetranetos de sua mãe.

Tecnologia

Quando os avanços tecnológicos chegaram à casa da minha bisa, ela já tinha mais de 70 anos. Ela nunca se interessou em assistir a nenhum programa de TV. O que vê mesmo é a Missa do Galo, na véspera do Natal. No rádio, também gosta de ouvir a missa e rezar o terço, às 18 horas.

Um avanço tecnológico que ela acha interessante mesmo é o celular, pois se comunica, sempre que dá, com uma sobrinha de mais de 80 anos que mora em Fortaleza.

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Sonhos

Um desejo grande da minha bisa era de ter estudado mais. Mas, quando estava aprendendo a ler, seu pai a proibiu de ir às casas de estudo porque ela poderia escrever cartas para o namorado. Profissionalmente, tornou-se costureira.

Ping pong com minha bisavó

Na infância: comidas naturais sem produtos químicos.

Na juventude: festas de casamento.

Um perfume: alfazema.

Uma música: benditos de santos e músicas de Luiz Gonzaga.

Uma viagem: a última foi nos anos 90, para o Santuário de São Francisco em Canindé (CE).

Cinema: nunca foi.

Primeiro namorado: não se lembra.

Maior sofrimento: a perda da sua mãe. Até hoje, 50 anos depois, chora a morte dela.

Maior felicidade: o casamento com seu marido e o nascimento de seus 10 filhos.

Velhice: “Por que alguém, quando está com alguma dor, coloca logo a culpa na coitada da velhice?”

Idade: ela não imaginava que poderia viver tanto. Apenas pedia a Deus para ele lhe dar saúde. E ele a protegeu das doenças. Tanto que ela não tem hipertensão nem é diabética.

Relação com seus bisnetos e tataranetos: diz que é bastante boa, mas para ela poderia ser melhor se eles fossem em sua casa todos os dias.

Frase que disse no final da entrevista: “Que Deus proteja meus filhos, netos, bisnetos e tataranetos!”

Quem é Jarison Brito, o bisneto, o primeiro usuário repórter do Portal do Envelhecimento

Tenho 17 anos e sou estagiário em um posto de saúde no bairro Mucunã. Curso o terceiro ano do ensino médio e pretendo fazer o curso de Gerontologia. Moro em frente à casa da bisa, em Mucunã mesmo, na cidade de Maracanaú (CE). Sou filho de um neto da bisa Francisca, o Jairo, que tem 40 anos de idade, e neto de uma filha dela, a Maria Urides. Dos 88 bisnetos, sou o único que vou na casa dela todos os dias (palavras dela!). Nas visitas à bisa conto sempre as novidades, e ela fala dela também, falamos sobre o noticiário em geral e muito sobre o passado dela, as histórias. Gosto de ouvi-las. Se for para escolher, prefiro que minha mãe viva esse tanto, mas gostaria também de viver muitos anos, para ver as tecnologias do futuro. E-mail: [email protected]

Make of – Redação Portal

No final de junho Jarison entrou em contato via e-mail com o Portal do Envelhecimento, perguntando se poderíamos fazer uma reportagem com sua bisavó, como a mulher viva com maior números de descendentes no Brasil e uma boa lucidez, pois acreditava que dava uma “boa matéria”.

No começo de julho, respondemos, dizendo que ele certamente é um privilegiado e que também exemplifica uma tendência no país, em que cada vez mais haverá bisas nessas condições dentro de nossos lares. Dissemos que era uma honra entrevistá-la, mostrando a importância de uma velhice positive e não somente sinônimo e doença! Na ocasião solicitamos o endereço e com quem se poderia falar para agendarmos a entrevista com nossa repórter, Maria Lígia.

A resposta foi rápida: “Moramos no Ceará, na cidade de Maracanaú, região metropolitana de Fortaleza.

E agora? Como poderíamos entrevistá-la? Nossa resposta foi a seguinte: Jarison, adoraríamos conhecer pessoalmente tua bisa, mas infelizmente nao temos equipe nem recursos suficientes para deslocarmos para tão longe (nosso trabalho é voluntário). Mas gostaríamos muito que você a entrevistasse e fotografasse, inaugurando assim uma seção que acabamos de cria no Portal, chamada de Usuário Repórter (veja, fizemos uma chamada na coluna à direita na HOME Portal). E para facilitar a entrevista, elaboramos um roteiro que pensamos que pode te ajudar a conversar com ela, vai em anexo. Mas é apenas um roteiro e fique à vontade para perguntar aquilo que achar que ela tem de maior potencial. Se puder fotografar e encaminhar uma ou mais fotos escaneadas… Se voce aceitar ser o nosso primeiro usuário repórter, nos conte um pouco sobre você, o que faz, o que o motivou a escrever sobre ela, enfim, o que achar de mais interessante…

O resto vocês já conhecem. Jarison encaminhou texto e imagens para nossa repórter, Maria Lígia Mathias Pagenotto, que revisou e as preparou para colocarmos no ar. A redação escolheu as fotos, e aqui está o resultado de uma grande iniciativa!

Jarison, nossos mais sinceros parabéns: por se orgulhar de sua bisa, por manter com ela uma relação constante, por reconhecer que na história de vida dela está grande parte da história de nosso país, especialmente do nosso nordeste e, principalmente, por ver nela um exemplo de um bom longeviver!

Esperamos que outros se inspirem na história de sua bisavó, na sua iniciativa e que, assim como você, relatem para todos nós, brasileiros e cidadãos do mundo, como vivenciaram e vivenciam os seus anos cada vez mais alargados.

Mais uma vez, parabéns Jarison!

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