USP: vagas abertas à terceira idade

USP: vagas abertas à terceira idade

Meus filhos se mataram tentando entrar na USP. Não passaram da primeira fase da Fuvest. Eu, sem vestibular, posso me matricular em qualquer faculdade que ofereça vagas para a terceira idade. E quase todas oferecem.

Por Manuel de Barro

 

Inscrição – parte 2.

A USP, universidade pública ligada ao Estado de São Paulo, ao longo de sua história foi tomada pela elite branca e rica. Contribuiu para isso o processo de admissão que exigia um conhecimento prévio absurdo e na sua maior parte inútil.

– Para se inscrever nos cursos da USP, na UnATI, Universidade Aberta à Terceira Idade, o candidato só precisa ter mais de 60 anos e apresentar o RG original.

– Não sei porque diabos não aceitam a CNH. O RG é mil vezes mais fácil de ser fraldado. Vocês, na adolescência, a partir dos 15 anos, portavam RG falsos para entrar nas baladas que só admitiam maiores de idade, não é verdade?

– RG, CNH, que diferença faz para o senhor? O senhor não anda com documento. Se morrer na rua será enterrado como indigente, já falamos sobre isso.

– RG, tudo bem. Não vão exigir mais nada?

– Alguns cursos, como Relações Internacionais, exigem o domínio do inglês, mas 99% dos cursos é só mostrar o RG, fazer inscrição e começar a frequentar as aulas.

– Será que tem adulto de 50 e poucos anos com RG falso tentando frequentar os cursos da USP para a terceira idade? Não duvido nada. Quem com 15 usa RG falso para entrar nas baladas de 18 pode muito bem fazer isso.

– Pai, o senhor fala muita bobagem. É inacreditável a capacidade que o senhor tem para falar besteiras. Vou escanear seu RG e imprimir uma cópia para cada curso. O senhor viu os sete cursos que separei?

– Ainda nem sei se vou me matricular e você escolheu logo sete? Não acha que exagerou?

– O senhor esqueceu o que disse o geriatra e a psicóloga? Precisa de atividades intelectuais para preservar seus neurônios sadios. Ou o senhor se inscreve nesses cursos ou fará parte da estatística dos que piram antes dos 80?

Maurício estava nervoso porque pisei no seu calo ao falar sobre RG falso. Na adolescência, ele e o irmão usavam, mas hoje bancam os mocinhos contra a corrupção. Como se a corrupção na política fosse diferente da praticada no dia a dia. No Brasil, todo mundo quer levar vantagem sempre. Fraudam até o vestibular. As instituições são corrompidas na base. É no movimento estudantil e sindical que o candidato a político aprende a enganar, ludibriar, fraudar, corromper e se corromper.

– Ainda vou dar uma última olhada nos cursos…

– Achei que o senhor já havia visto – disse Maurício, surpreso. – As inscrições começam amanhã.

– Toda vez que começo a ler caio no sono…

– O senhor precisa marcar médico para ver isso, não é normal cochilar tanto.

– Dormir não é problema. Problema é voltar a estudar aos 69 anos…

– Pai, a idade não impede que ninguém aprenda coisas novas. Aprender é viver.

– Aprender é viver – imitei o jeito afetado de Maurício e ele ficou furioso.

A educação no Brasil melhorou muito nos últimos anos, mas a USP ficou para trás. Só agora está corrigindo a rota. Até 2021, metade dos alunos serão provenientes de escolas públicas, sendo 37% desse contingente destinado a cotas: pretos, pardos e indígenas.

Na outra ponta, é pioneira. Começou a oferecer cursos para a terceira idade em 1993. No início, o idoso tinha que ter pique para acompanhar a molecada nos cursos regulares. Hoje existem dezenas de cursos voltados exclusivamente para a terceira idade. Como envelhecer não é sinônimo de enlouquecer, não vou me matricular em um curso regular. Por isso descartei Jornalismo Esportivo. Adoro futebol, mas não chega a tanto.

– Não vou fazer Jornalismo.

– Pai, não é Jornalismo. Não é um curso inteiro, é só uma matéria…

– Eu sei, mas faz parte de um curso regular, deve ser puxada…

– O.k., e as outras?

A USP oferece vagas para idosos em praticamente todos os cursos. Não o curso inteiro, uma matéria ou outra como observou meu filho. O idoso pode montar a grade do seu agrado. Pinçar uma matéria na Psicologia, outra no Jornalismo, História, Letras, Matemática, Química, Biologia, Engenharia, Arquitetura, Educação, Ciências Sociais, Direito etc.

– Quero começar com uma coisa leve. No próximo semestre, quem sabe…

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Seria loucura tentar acompanhar a molecada depois de tanto tempo parado. São calhamaços de textos. Para quem cochila ao ler um parágrafo, seria impossível. Os professores não têm noção. Mandam ler um caminhão e a prova é sobre um fusquinha. Nunca entendi isso.

– O senhor sabe o que quer fazer?

– Vou me matricular em cursos criados especialmente para a terceira idade. Nas atividades culturais, as esportivas não vem ao caso.

– Essas aqui são todas atividades culturais…

– Na verdade, não vejo a necessidade disso, preferia seguir com minha rotina…

– O senhor, como todo velho, tem resistência ao novo, percebe?

– Não generalize. Apenas não gosto dessa ideia de voltar à faculdade pela porta dos fundos.

– Porta dos Fundos é outra coisa, e muito sem graça. O senhor vai entrar na USP de cabeça erguida e pela porta da frente. Quer saber de uma coisa? Quem entra na UnATI não sai mais. Foi o que a psicóloga disse no e-mail. Tem idoso que ela encaminhou há mais de cinco anos e continua lá. E o mais interessante, no mesmo curso.

– Um bando de velho repetente. Devem dormir durante as aulas, por isso não passam de ano.

– Eles permanecem porque gostam, porque querem, não tem isso de passar de ano, na UnATI a lógica é outra. A socialização vem em primeiro lugar. Eles não mudam de curso porque fazem amigos e querem permanecer próximos um do outro por mais um semestre e outro e outro…

– Já tenho amigos demais no clube… Por que UnATI e não USP?

– Porque é o certo. O senhor vai frequentar a USP, mas vai ser aluno da Universidade Aberta à Terceira Idade, UnATI.

– Se eu gostar e continuar por lá, pelo seu entusiasmo, no futuro seremos colegas…

– Com certeza.

– É… faltam só 32 anos para você completar 60. Do jeito que o tempo voa…

– Uma coisa é certa, pai, quando eu completar 60 anos farei questão de ser aluno da UnATI. Ainda vamos estudar juntos, sim, pois o senhor vai viver muito.

– Foi uma piada, filho. Daqui a 32 anos estarei com 101 e com mais manchas do que um dálmata.

– Tenho certeza que existem alunos de cem anos na USP com os neurônios muito bem preservados.

– Só se for “sem ânus”. Velhinhos com bolsas coletoras no lugar de bolsa de estudos.

– Nossa, pai, que nojo…

Tenho dois filhos: Maurício, 28 anos; Juvenal, 32. Juvenal casou cedo e me deu duas netas, gêmeas, e um neto. Maurício também casou, mas só no papel, permaneceu enfiado na minha casa e não tem filhos. Botou na cabeça que não pode me deixar sozinho, como se sua presença significasse segurança e companhia. O tempo todo nos provocamos.

– Bota o fone de ouvidos, Maurício, ou baixa essa merda de som!

– Por que o senhor não vai ver o jogo no quarto?

– Porque a casa é minha e lugar de TV é na sala.

Lutamos palmo a palmo por todos os espaços da casa. Luta insana. Os filhos querem nos anular, testam nossa autoridade, tentam nos dominar, por isso lutamos sem parar ou até enlouquecer. Alguns filhos enlouquecem primeiro. Maurício um dia acordou pensando ser meu pai. Botou na cabeça que cuida de mim. Uma insanidade. Da mesma forma que um pai manda o filho para a escola, ele aproveitou o conselho do geriatra e da psicóloga para eu realizar atividades intelectuais para me mandar de volta para a faculdade. Pressão desnecessária, pois no fundo me agrada a ideia de estudar na USP. Já contei para todos os meus amigos do clube, a partir do próximo semestre serei estudante da USP, uspiano. Depois continuo.

Leia a parte I desta história

Parte I: Atividade intelectual previne Alzheimer

Serviço: Confira os cursos oferecidos pela Universidade Aberta à Terceira Idade (UnATI- USP) para o primeiro semestre de 2018 no link: https://prceu.usp.br/3idade/sao-paulo/

Foto: reprodução


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Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

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