Qualidade de vida nas Instituições de Longa Permanência para Idosos do estado de Minas Gerais

Nesta breve reflexão, apresentamos algumas considerações sobre a institucionalização de idosos, comparando-as com o resultado obtido no “Banco de Dados das Instituições de Longa Permanência para Idosos” (ILPIs), desenvolvido pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, através do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e Idosos – CAOPPDI, no ano de 2005.

Patrícia Antunes Ferreira *

 

O envelhecimento populacional é, na atualidade, um fenômeno observado mundialmente, sendo marcado por um crescimento mais elevado da população idosa em relação aos demais grupos etários. No Brasil, pode ser exemplificado pelo aumento da participação da população acima de 60 anos, no total da população nacional de 4%, em 1940, para 9% em 2000. (CAMARANO, 1997).

No Estado de Minas Gerais, em 2000, os idosos representavam 9,1% da população mineira- 1.62 milhão- dos quais aproximadamente 1% vive nas ILPIs. Verificou-se que a população de idosos institucionalizados é maior nas regiões mais desenvolvidas do Estado, tais como: Central, Sul de Minas, Centro-Oeste e Triângulo. Outro dado relevante é a discrepância entre o número de idosas e idosos nas ILPIs, onde a probabilidade de institucionalização das idosas é três vezes maior. Tal ocorrência é justificada, na literatura, por vários motivos, dentre eles: a expectativa de vida das mulheres é maior em relação aos homens; a viuvez é mais freqüente para as mulheres; as idosas geralmente possuem grau de instrução e nível de renda baixos, fatores que favorecem o ingresso nas ILPIs (Censo 2000 e Banco de Dados CAOPPDI).

Envelhecer num país com tantos problemas sociais, econômicos e estruturais a resolver constitui-se em grande desafio para os indivíduos, para o conjunto da sociedade e para o governo, no sentido de oferecer condições qualificadas para o prolongamento da vida. (RODRIGUES, 2002).

De um modo geral, quando se fala em qualidade de vida na velhice, encontra-se, na literatura, um reduzido número de referências sobre o idoso institucionalizado. Uma das hipóteses levantadas para tal ocorrência seria a existência de imagens negativas em relação às condições biológicas, psicológicas e sociais do idoso, além de posturas e preconceitos, referentes às próprias ILPIs, que foram consideradas pela sociedade como “depósitos de idosos”, “reduto de abandonados e de inválidos”.

BORN (2001) esclarece que na sociedade brasileira há uma rejeição a instituições que prestam assistência ao idoso em regime de internato, embora não se ignore a sua importância na rede de serviços geronto-geriátricos, que cuidam de uma certa categoria de idosos, quando esta for a alternativa mais adequada. A autora ressalta que a ILPI necessita passar por um grande processo de reestruturação, para que possa cumprir satisfatoriamente suas responsabilidades, isto é, proporcionar um lar, um lugar de vida, de aconchego, de identidade e, ao mesmo tempo, um lugar de cuidados.

VIEIRA (1997) realizou um estudo sobre a identidade do idoso institucionalizado na cidade de Belo Horizonte e verificou que a instituição de longa permanência será para os velhos um local propício para que seja perpetuada a condição de inútil, carente e dependente. O asilo reflete, assim como outras entidades assistenciais, uma preocupação com relação ao destino dos velhos. Dentro desse contexto, existem práticas que são desenvolvidas para levar em frente o projeto de assistência que reconhece a carência daqueles que são considerados incapazes e, por isso, dignos de ser ajudados . Entre as diversas práticas assistenciais, ressaltam-se duas em Belo Horizonte: a Santa Casa de Misericórdia e a Sociedade São Vicente de Paulo, consideradas como as mais tradicionais e influentes no cenário assistencial. Tanto uma como outra, apesar das diferenças na estrutura de funcionamento, “nasceram para ser a expressão máxima do exercício da caridade, do assistencialismo e do paternalismo”.

Na tentativa de resgatar a dignidade e o respeito aos idosos institucionalizados, o CAOPPDI definiu como trabalho prioritário a fiscalização e o monitoramento das ILPIs do Estado de Minas Gerais. A escolha pela defesa dos interesses dos idosos institucionalizados se deu a partir da própria legislação (Política Nacional do Idoso, Estatuto do Idoso) e do levantamento “in loco” das condições em que vive esse segmento, geralmente, fragilizado, sem vínculos familiares, em situação de abandono, pobreza e sem apoio das entidades governamentais.

Os estudos de TELLES FILHO(1999) abordaram as causas da inserção dos idosos nos asilos. Por diversas causas, tais como condições precárias de saúde, idade avançada, debilidade física e até mesmo alterações no comportamento (doenças, alterações cognitivas), muitos idosos encontram dificuldades para exercer atividades laborais. Nesses casos, somando-se às dificuldades financeiras e à falta de respaldo familiar, há muitos encaminhamentos desses a Instituições de Longa Permanência.

A internação do idoso em uma instituição de longa permanência é uma alternativa em certas situações, quando se verificam a necessidade de reabilitação, ausência temporária do cuidador domiciliar, estágios terminais de patologias e dependência elevada (CHAIMOWICZ, 1999).

No levantamento realizado pelo CAOPPDI, as causas mais citadas para a admissão do idoso na ILPI foram: o abandono familiar, a carência financeira, a falta de apoio familiar e saúde debilitada do idoso. Outros motivos relevantes, constantes dos estudos e levantamentos realizados, é a falta de políticas públicas e de uma rede de serviços voltados para os idosos que vivem na comunidade, tais como assistência domiciliar e criação de centros de cuidados-diurnos, modalidades de atendimento, previstas em lei, que podem levar ao adiamento da institucionalização ou a manutenção do idoso em sua própria família.

No Banco de Dados das ILPIs, concluído pelo CAOPPDI, em 2005, foram identificadas, em Minas Gerais, 602 ILPIs, das quais 88% eram de natureza filantrópica e 12% de natureza particular. A maioria das ILPIs é mantida por entidades religiosas, ligadas à Sociedade São Vicente de Paulo, e por recursos de doações e contribuições previdenciárias dos próprios idosos. Verificou-se que nenhuma ILPI é mantida exclusivamente pelo poder público, e apenas 27% delas recebem uma contribuição mensal per capita, que varia entre os valores de vinte e sete (R$27,00) a sessenta reais (R$60,00) mensais, repasses muito baixos, em relação ao custo dos serviços oferecidos ao idoso numa ILPI, que pode chegar a quinhentos reais por mês.

Na pesquisa realizada pelo Núcleo de Geriatria e Gerontologia da UFMG, em 1999, verificou-se que 91% das instituições investigadas oferecem atendimento médico, geralmente ocasional ou voluntário, e observou-se que um número restrito das instituições conta com a atuação de enfermeiro, uma vez que a grande maioria das ILPIs, ou seja, 84% delas contratam pessoas não-qualificadas para prestação de cuidado direto aos idosos.

CHAIMOWICKS (1999) discutiu o resultado de estudos realizados, em Belo Horizonte, pela Fundação João Pinheiro, demonstrando que 98% das instituições de longa permanência não possuíam enfermeiros, e em 96% destas ILPIs, o atendimento médico era realizado em postos de saúde ou por médicos voluntários, em visitas esporádicas. Atividades de fisioterapia, terapia ocupacional e psicologia eram oferecidas em menos de 15% delas.

Constataram-se semelhanças entre os estudos acima e o levantamento do CAOPPDI, o qual verificou que a maioria das ILPIs do Estado de Minas Gerais não conta com o atendimento de uma equipe interdisciplinar voltada para a promoção da saúde dos idosos. O atendimento médico geralmente é esporádico e ocorre nos centros de saúde públicos ou na própria ILPI por médico voluntário. A capacitação dos funcionários para cuidar dos idosos foi comprovada em apenas 33% das ILPIs avaliadas pelo CAOPPDI.

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Sobre a qualidade dos serviços oferecidos nas instituições de longa permanência, MEIJER (2000) realizou um estudo comparativo sobre financiamento, provisão e qualidade de cuidados em 4 países europeus: Bélgica, Dinamarca, Alemanha e Holanda. A pesquisa verificou que os quatro países enfrentam problemas semelhantes, em relação ao custo elevado dos serviços, considerando que a maioria dos leitos é usada por idosos com grau elevado de dependência.. Nesses países, há controle do uso das vagas nas ILPI´s, bem como de seus custos. As autoridades encorajam formas menos dispendiosas de cuidados, tais como a permanência dos idosos em seus próprios lares, adiando ao máximo a institucionalização. Os enfermeiros usualmente recebem um treinamento específico, durante dois anos ou mais, e atuam em tarefas médicas e farmacêuticas. Os cuidadores realizam os cuidados básicos (p.ex., banho) e a maioria recebe um treinamento. A equipe de saúde das instituições é composta de fisioterapeutas, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, na maioria dos países. Em todos os quatro países, existem enfermeiras e cuidadores trabalhando nas instituições. A opinião dos residentes é considerada nas instituições dos países europeus citados, e, com o objetivo de aumentar a qualidade dos serviços e a satisfação do usuário, as instituições organizam comitês de residentes. Caso os residentes apresentem demência, eles são substituídos por um representante de sua respectiva família.

No intuito de avaliar as condições de funcionamento das ILPIs no Brasil, VIEIRA (2003) explicitou alguns parâmetros de avaliação da instituição geriátrica. A autora esclarece que, no momento da admissão do idoso na ILPI, é necessário saber se este poderá exercer a sua subjetividade, ou seja, se poderá falar de si, do que pensa, do que precisa e do que deseja, se ele tem percepção da situação em que se encontra. Saber qual a influência e a participação da família na decisão, ajuda a definir qual a expectativa que dos envolvidos em relação à institucionalização do idoso. É fundamental que a instituição tenha infra-estrutura física, material e de recursos humanos que esteja preparada para atender o perfil de necessidades de seus usuários. Isso inclui a eliminação de barreiras arquitetônicas e o oferecimento de dispositivos acessíveis e possíveis para o idoso fazer uso como recursos facilitadores do dia-a-dia, e uma disponibilidade físico-geográfica que promova a sua individualidade, mas não o seu isolamento. Os programas terapêuticos devem ser personalizados. A vivência comunitária dos idosos é imprescindível para que eles experenciem a auto-gestão de sua própria vida e desenvolva o senso de controle sobre a sua existência.

Historicamente, é fato que grande parte das instituições de longa permanência possui um perfil assistencialista, no qual prestar cuidados aos idosos resume-se a oferecer abrigo e alimentação. Atualmente, todavia, acredita-se que o cuidar envolve o acesso ao atendimento de profissionais de saúde capacitados, condições de espaço físico e ambiental apropriados, disponibilização de atividades de lazer e contato social com a comunidade. A avaliação multidimensional do idoso é baseada na avaliação global do idoso e tem como objetivo a restauração ou preservação da qualidade de vida. Dessa forma, é importante que tal intervenção seja desenvolvida preferencialmente por uma equipe interdisciplinar que investigue os aspectos médicos, psicológicos e sociais dos idosos.

Evidenciou-se que a fiscalização e o acompanhamento das ILPIs pelo Ministério Público foram fundamentais para melhoria da qualidade de vida dos idosos institucionalizados. Ao serem constatadas deficiências no atendimento prestado ao idoso, algumas ações foram implementadas, a fim de que as ILPIs se adequassem aos padrões mínimos de funcionamento. No entanto, um dos obstáculos encontrados para a efetiva mudança das ILPIs foi a falta de apoio governamental, considerando que as políticas de atenção ao idoso no Estado de Minas Gerais ainda são muito incipientes. A criação de uma rede de prestação de serviços e de programas voltados para a saúde, convívio familiar, integração social e lazer dos idosos, além da formação continuada de profissionais e pessoas qualificadas para o atendimento ao idoso representam um grande desafio para a reestruturação das ILPIs.

Referências Bibliográficas:

BANCO DE DADOS REFERENTES ÀS INSTITUIÇÕES DE LONGA PERMANÊNCIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos das Pessoas Portadoras de Deficiência e Idosos, Belo Horizonte, Junho, 2005 (www.pgj.mp.mg.gov.br/caoppdi).

BORN, TOMIKO Quem vai cuidar de mim quando ficar velha? Revista Kairós Gerontologia. São Paulo, v.4, n.2, p 135-148, 2001.

CAMARANO, A. Envelhecimento da População Brasileira Uma Contribuição Demográfica. In FREITAS, E. et al.: Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 2002 ; cap. 6, p. 59-71.

Chaimowicz, F. ; Greco, D.B. Dinâmica da institucionalização de idosos em Belo Horizonte. Revista de Saúde Pública, Brasil, vol. 33, n. 5, p. 454-60, 1999.

Mejer A.; Van Campen, C.; Kerkstra, A. A comparative study of financing, provision and quality of care in nursing homes. The approach of four European countries: Belgium, Denmark. Germany and Netherlands Journal of Advanced Nursing. Germany, vol. 32, n.3, p. 554-561, 2000.

RODRIGUES, N.; RAUTH, J. Os Desafios do Envelhecimento no Brasil. FREITAS, E. et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 2002 ; cap. 12, p. 106 a 110.

Seminário de Normatização das Instituições de Longa Permanência, II., Seminário das Instituições de Longa Permanência Belo Horizonte, V., 2002, Belo Horizonte. [Apostila]. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, Seção Minas Gerais, 2002, 33p.

Telles Filho, Paulo C. P.; Petrilli Filho, J. F. As Causas de Inserção de Idosos em uma Instituição Asilar. Esc. Anna Nery. Revista de Enfermagem, Rio de Janeiro, n.1/2, p.51-56, jan./dez. 1999.

VIEIRA, Eliane Brandão. Instituições Geriátricas- Avanço ou Retrocesso? Rio de Janeiro: Editora Revinter, 2003, cap. 6, p 70-71.

VIEIRA, Rosana Figueiredo. Identidade Arquivada: Análise da Identidade e da Mortificação do eu dos Velhos, pelas Praticas Asilares. 1997. Dissertação (Mestrado em Psicologia)- Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais , Belo Horizonte, 1997.’

*Psicóloga do Ministério Público-CAOPPDI

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FERREIRA, Patrícia Antunes. Qualidade de vida nas instituições de longa permanência para idosos do estado de Minas Gerais. Disponível Aqui 

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