Qualidade de vida e qualidade de morte!

Qualidade de vida e qualidade de morte!

O investimento em idosos frágeis que se encontram em situação de vulnerabilidade, especificamente pessoas com Doença de Alzheimer, resultará em melhor qualidade de vida e também em melhor qualidade de morte.

Por Isadora Di Natale Nobre, Margherita Cassia Mizan e Flora Ricciopo Karat (*)

 

Sempre quando nos referimos à qualidade de vida, remetemo-nos ao conceito de características positivas da vida humana, mas não podemos negar que este só pode ser avaliado conforme parâmetros objetivos e subjetivos individuais. Na velhice podemos avaliar os níveis de qualidade de vida dependendo em que momento aquele indivíduo se encontra, uma vez que a velhice nos impõem diferentes formas de vivenciar este momento do ciclo vital.

Em Gerontologia muito se fala em qualidade de vida à medida que a idade avança. Com o avanço da tecnologia, a diminuição das taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida nos deparamos cada vez mais inseridos no panorama da longevidade. Porém, não basta vivermos mais, queremos qualidade ao viver. E o que seria essa qualidade?

Para muitos: possibilidades, recursos, oportunidades, participação. Poder usufruir dos recursos de nosso meio e também continuar a construí-lo, mantendo-se produtor e consumidor dentro dos valores vigentes atualmente em nossa sociedade, na convivência com os outros. Almejamos um envelhecimento ativo, compreendendo a atividade como um movimento não só extrínseco, a uma produção e participação externa, mas também ao movimento subjetivo de investimento na vida, nas relações e em si próprio.

Vida. É um tema que nos impulsiona, nos inspira a falar, ler, escrever, estudar.

E morte? Uma palavra temida e por conter tantas angústias da ordem do desconhecido nos faz nos afastar a qualquer custo. Isso porque em nossa cultura tendemos a uma visão cartesiana das experiências atribuindo valores aos processos intrínsecos da vida, categorizando-os como positivos ou negativos. Como se o negativo fosse antagônico ao positivo, assim como a vida à morte. Temos muita dificuldade em considerar a morte como intrínseca à vida, assim como em lidar com os sofrimentos e dores inerentes ao processo de viver. Nesse panorama, podemos considerar o próprio envelhecimento como algo a ser evitado para aqueles que buscam incessantemente a juventude eterna.

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Portanto, atualmente tendemos a excluir qualquer pensamento que nos aproxime da vivência de morte, mesmo os profissionais da saúde, pois antes de serem profissionais são humanos e ao lidar com questões da morte do outro necessariamente também se deparam com sua própria finitude.

Por isso é tão difícil para nós considerarmos as seguintes questões: como desejamos morrer, o que queremos que façam com o nosso corpo após a morte, quais são os nossos limites frente aos cuidados, se gostaríamos de doar nossos órgãos, como gostaríamos de sermos cuidados se eventualmente atingirmos alguma condição em que perderemos a capacidade de decisão. É claro que aqui adentramos muito delicadamente na área da bioética, o que traz ainda mais dificuldades em abordar o tema.

Investimento em Idoso Vulnerável

A velhice com fragilidade que gera vulnerabilidade, morte e a qualidade de vida diante destas vivências foi tema de reflexão do Núcleo de Estudo e Pesquisa do Envelhecimento (Nepe), da PUC-SP, em recente evento (30 de agosto) coordenado pela professora do mestrado em Gerontologia, Dra. Fernanda A. C. Gouveia Paulino, que teve como título ‘Investimento em Idoso Vulnerável’. O debate foi enriquecedor e dentre as várias contribuições sobre este assunto levou todos a uma importante reflexão sobre questões éticas e morais em relação aos cuidados e ao processo de morte destes indivíduos.

A médica geriatra do Hospital das Clínicas em São Paulo, especialista no tratamento e cuidado de pessoas com quadros demenciais, em situação de fragilidade, Lilian Schafirovits Morillo, abordou estas questões ao relatar que vivemos um holocausto da velhice frágil, porque na tentativa de negarmos o que está a nossa frente, que é a morte, negligenciamos os cuidados a estes idosos. O panorama trazido por ela foi triste quando se refere à escassez de investimento nestes idosos, como se o morrer ou o caminhar para este lugar não necessitasse mais de um olhar humanizado. Também comentou que na demência avançada os indivíduos não conseguem mais expressar dor ou desconforto, podendo vivenciar até a morte situações dolorosas e aterrorizantes, além de situações de constrangimento e ausência de tratamento adequado.

Segundo a Dra. Morillo, o investimento em idosos frágeis que se encontram em situação de vulnerabilidade, especificamente portadores de Doença de Alzheimer, resultará em melhor qualidade de vida e também em melhor qualidade de morte. Segundo ela, quando pensamos em um olhar humanizado, estamos nos referindo a investimentos em diferentes aspectos da vida, que tem no cuidado a expressão nos momentos finais, que respeite cada um em sua individualidade não somente enquanto houver expectativa de cura e prolongamento da vida, mas também quando isto não é mais possível.

Este tema tão temido é tão necessário para quem trabalha na área da Gerontologia, ou mesmo, para todos nós que, se vivermos suficiente, chegaremos a essa etapa da vida. O que queremos enfatizar é o respeito ao desejo de cada um, a dignidade não só em relação à vida, mas também à morte. Vamos nos atentar a tais questões. Poderemos ser melhores profissionais e até mesmo familiares por abrir um espaço de diálogo e cuidado nesse aspecto. De forma alguma queremos dizer que essa abertura ocorrerá sem desafios.

Sob a perspectiva tão vigente do envelhecimento ativo muitas vezes nos vemos cobrando de nós mesmos ou daqueles que nos rodeiam tal postura de participação, de produção, de contribuição. Mas, e quando nos deparamos com sujeitos que fogem à expectativa de tais ideais? Como estamos olhando e cuidando deles? Será que estamos conseguindo enxergá-los, escutá-los, considerá-los?

(*) Isadora Di Natale Nobre, Margherita Cassia Mizan e Flora Ricciopo Karat são psicólogas e mestrandas do Programa de Estudos Pós-Graduados em Gerontologia da PUC-SP.

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