Os altos e baixos da vida em “Roda Gigante”

Os altos e baixos da vida em “Roda Gigante”

O programa Itaú Viver Mais, através das sessões de cinema gratuitas em várias regiões do País, seguidas de debate, permite ampliar os horizontes e o diálogo ao fazer circular a palavra das pessoas acima de 55 anos. Foi o que aconteceu no Shopping Frei Caneca, com a exibição de “Roda Gigante”, filme escrito e dirigido por Woody Allen.

 

Paixão, ciúmes, traição e estagnação, compõem a trama do filme Roda Gigante, escrito e dirigido por Wood Allen, 82 anos. O filme foi rodado em Coney Island, uma península que pertence ao Distrito de Brooklyn, Nova Iorque, Estados Unidos, remetendo aos anos 50, época de sua juventude e do então mundo da fantasia onde a roda-gigante e o carrossel não cessam de girar sem sair do lugar, tal qual seus protagonistas.

Este lugar abriga os parques de diversões mais conhecidos de Nova Iorque, um ao lado do outro, colados ao calçadão construído em 1923 e reformado em 2010, com pouco mais de 4km de extensão, praticamente presente em toda a orla: O Luna Park é o maior deles, e ficou aberto de 1903 até 1946. Revitalizado, foi reaberto apenas em 2010, com a roda-gigante, Deno’s, lar da Wonder Wheel, e a histórica montanha russa de madeira, a Cyclone (inaugurada em 1927). O parque fica aberto de abril a outubro, todos os dias. Coney Island carregou por muito tempo o título de detentora do maior parque de diversões do mundo.

Mas nem sempre foi assim, como uma roda gigante, Coney Island teve seus altos e baixos. Em 1860, o lugar era frequentado apenas pela High Society de Nova York aos finais de semana. A península viveu seu apogeu no início do século 20, seguido por uma queda brusca por conta da depressão e segunda guerra mundial. hoje a maioria das atrações do parque de diversão estão fechadas. É mais uma memória do passado luxuoso que a ilha ofereceu, ou seja, uma atmosfera vintage e clássica, tendo em vista que vários brinquedos ainda fazem parte da estrutura original dos parques e por isso Coney Island já foi citada em clássicos da literatura, como em “The Great Gatsby”, e filmes como “Uptown Girls” e agora Roda Gigante.

A história se passa no verão, dentro do parque que abriga a roda gigante, o carrossel e o tiro ao alvo, num espaço envidraçado adaptado para a família morar, onde antes funcionava a casa das aberrações. O início do filme mostra a imagem do parque de cima para baixo com vários figurantes coloridos, contagiando o espectador com o burburinho dos brinquedos dos parques que marcaram a fantasia de nossa infância e a trilha sonora destacando o jazz. A história é narrada pelo personagem, Mickey (Justin Timberlake, ator e cantor), que, segundo os espectadores do filme, seria o alter ego do próprio Woody Allen. Como narrador, deixa claro que valoriza mais o melodrama do que os personagens, pois se envolve mais com as histórias do que com as pessoas. Além de Mickey, a fracassada Ginny (Kate Winslet), garçonete, casada com Humpty (Jim Belushi), e Carolina (Juno Temple), enteada de Ginny, são os principais personagens.

Mickey é um salva-vidas, trabalho que faz no verão, e acaba se envolvendo com Ginny, mas que depois se apaixona por Carolina, quem está jurada de morte por seu ex-marido, um mafioso. Ginny (Kate Winslet), tem uma atuação espetacular, e representa uma mulher infeliz: está casada com um homem bom, mas sem nenhuma identificação com ele, apenas para ter um mínimo de segurança, trabalha como garçonete quando queria na realidade continuar como atriz, e tem um filho incendiário. Ela representa o conformismo e coloca todas suas esperanças em Mickey, como se fosse seu salvador. Mas ele é também um fracassado que sonha ser um poeta e escritor reconhecido. Representa o típico personagem de Woody Allen. Ginny, para aguentar uma vida sem sentido, busca na bebida seu consolo. Ela bebe escondida do marido, ex-alcoólatra, que quando bêbado a batia.

A realidade e o idealismo, assim como o pessimismo e otimismo, e o sonho e pesadelo fazem parte da trama o tempo todo, e não poderia ser diferente, afinal, fazem parte do processo da vida, como bem lembrou uma participante do debate, sendo realçados pela luz e sombra das fotografias de Vittorio Storaro, especialmente de Ginny, Carolina e Mickey em que a diversidade de cores e seus variados tons dão a sensação de sentirmos o que os personagens sentem.

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O debate


Após o filme, os espectadores foram convidados a participarem do debate, como ocorre em todos os filmes do Itaú Viver Mais nas últimas terças-feiras de cada mês em salas do Espaço Itaú de Cinema de São Paulo (Shoppings Bourbon Pompéia e Frei Caneca), Curitiba (Shopping Crystal), Salvador (Praça Castro Alves) e Brasília (Shopping Casa Park). O debate foi muito enriquecedor, primeiro porque os participantes eram grandes admiradores das obras de Woody Allen, afinal, ele é uma das figuras mais ativas de Hollywood nos últimos 60 anos, lançando um filme a cada ano.

Ao final do debate – quando veio à tona o abuso sexual de sua filha adotiva Dylan Farrow aos 7 anos, fato negado pelo cineasta -, uma participante do debate comentou que as denúncias de abuso do cineasta a fizeram observar as obras de Woody Allen com outro olhar. Qual deve ser o posicionamento ante a acusação de assédio: deixar de assistir aos filmes cujos atores estão envolvidos? Assistir fazendo a separação da qualidade e competência dos artistas?… Enfim, trata-se de uma questão que está efervescendo mundialmente e que o debate permitiu abrir uma discussão que possivelmente será cada vez mais frequente.

O roteiro do filme Roda Gigante propiciou passarmos bons momentos refletindo sobre os pontos mais fortes e característicos de Woody Allen. Foi dito que o texto, de certa maneira, era uma representação do lado neurótico do próprio cineasta, especialmente nos personagens de Ginny e Mickey. A frase de Kate Winslet, no papel de Ginny, falando que seu maior papel é sua luta para voltar a ser a protagonista da sua vida, é uma pequena demonstração do que estamos falando. Outros participantes do debate foram mais longe, ao comentarem que na realidade a trama como um todo, cheia de traições e neuroses, era uma pequena mostra da vida real do cineasta, exposta ao mundo, tal qual a casa sem privacidade onde viviam no parque. E que o filme, num certo sentido, era um pedido de perdão à família. Ginny, que tinha medo de sua velhice (e quem não tem?), ao completar 40 anos, disse que o tempo somente era importante para termos mais tolerância e flexibilidade. Mas se pensarmos que essas neuroses ou esse arranjo familiar só estão no telão, engana-se. Foi o que confessou uma espectadora, ao comentar que dentro das quatro paredes de seu consultório lidava cotidianamente com neuroses muito piores das de Roda Gigante. Como diria Oscar Wilde, “A vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”…

Por fim também se comentou sobre o pequeno incendiário do filme, filho de Ginny, cuja conduta incendiária (chamada de piromania) poderia estar associada com o Transtorno da Conduta, em que o fogo seria uma espécie de símbolo contra aquilo que o incomodava, o que foi bem representativo no final do filme, quando ele acende uma fogueira onde o amante de sua mãe trabalhava, na praia.

Quem não pensou em certos momentos da vida, principalmente nos seus baixos, mandar tudo para o ar como o fogo cortando o vento?

Sobre o Programa Itaú Viver Mais 

Para participar da sessão de cinema é necessário apresentar RG que comprove que tem mais de 55 anos de idade e chegar com 1h de antecedência. As sessões gratuitas acontecem mensalmente, sempre na última terça-feira de cada mês, nas salas do Espaço Itaú de Cinema de São Paulo (Shoppings Bourbon Pompéia e Frei Caneca), Curitiba (Shopping Crystal), Salvador (Praça Castro Alves) e Brasília (Shopping Casa Park). As vagas são limitadas. Para conhecer melhor as iniciativas e atividades acesse:  https://www.itau.com.br/vivermais.

Imagens do filme: Divulgação. Fotos do debate: Rodrigo Gueiros

Beltrina Côrte

Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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Jornalista, Especialização e Mestrado em Planejamento e Administração do Desenvolvimento Regional, Doutorado e Pós.doc em Ciências da Comunicação pela USP. Estudiosa do Envelhecimento e Longevidade desde 2000. É docente da PUC-SP. Coordena o grupo de pesquisa Longevidade, Envelhecimento e Comunicação, e é pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa do Envelhecimento (NEPE), ambos da PUC-SP. CEO do Portal do Envelhecimento, Portal Edições e Espaço Longeviver. Integrou o banco de avaliadores do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior – Basis/Inep/MEC até 2018. Integra a Rede Latinoamericana de Psicogerontologia (REDIP). E-mail: [email protected]

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