Médicos são processados por não respeitarem desejos dos pacientes

Médicos são processados por não respeitarem desejos dos pacientes

O que aconteceu com Beatrice Weisman antes do amanhecer de 29 de agosto de 2013 não deveria ter acontecido. A equipe médica do Hospital Geral de Maryland (EUA) a encontrou em parada cardíaca, a ressuscitou e a manteve viva. E por isso o Hospital está sendo processo porque contrariou os desejos da Sra. Weisman, registrados em seu Testamento Vital.

Paula Span (*)

 

A matriarca de uma família bem unida na costa leste de Maryland, a Sra.Weisman, então com 83 anos, sofreu um acidente vascular cerebral grave em junho e passou semanas em dois hospitais. Felizmente, ela e seu marido elaboraram diretrizes antecipadas de vontade – um gênero de documentos de manifestação de vontade para cuidados e tratamentos médicos criado na década de 60 nos Estados Unidos da América. No documento ela declarou que era seu marido, William, que tomaria decisões médicas se ela se tornasse incapaz de fazer isso.

Em agosto, quando sua condição se deteriorou, o Sr.Weisman convocou uma reunião familiar. Com o apoio de seus quatro filhos, ele autorizou a equipe médica a respeitar o Testamento Vital de sua esposa a fim de proteger o direito dela a permitir a sua morte, afirmando que, se o coração dela ou pulmões falhassem, era para deixá-la morrer porque este era seu desejo.

Em Maryland e na maioria dos outros estados, as diretivas antecipadas de vontade tornam-se parte das ordens dos médicos, elas se aplicam em todas as áreas de cuidados de saúde e fornecem um guia mais claro dos desejos dos pacientes do que as diretivas padrão.

No entanto, quando a Sra. Weisman foi achada ficando azul em sua cama no hospital, membros da equipe médica começaram a realizar reanimação cardíaca, que causou costelas quebradas e danos nos pulmões. Eles a desfibrilaram com choques elétricos, injetaram drogas e conseguiram revivê-la.

“Meu pai ficou perturbado”, disse Christian Weisman, filho mais velho do casal. Ele disse que seus pais “haviam feito tudo da maneira que deveria ser – os testamentos, as diretrizes antecipadas. “Mas quando o pessoal do hospital encontrou a minha mãe morrendo, “eles ainda violaram seus desejos”.

Christian Weisman interpôs um processo contra Maryland General no tratamento de sua mãe, alegando agressão, negligência, a “inflicção intencional de angústia emocional” e outras reivindicações.

Médicos e hospitais estão acostumados com ameaças de ações judiciais quando eles não conseguem salvar a vida de um paciente. Agora, alguns enfrentam ações legais por não terem deixado um paciente morrer.

Várias ações judiciais semelhantes em todo o país dizem que os prestadores de cuidados de saúde desconsideraram ou substituíram as diretrizes antecipadas, ressuscitando pessoas cujas instruções claramente diziam que não queriam ser ressucitadas.

Historicamente, a prática tem sido “se em dúvida, vá para o lado agressivo, de manutenção da vida”, disse Thaddeus Pope, que dirige o Health Law Institute na Mitchell Hamline School of Law, em St. Paul, Minnesota.

Afinal, os pacientes ressuscitados em terapia intensiva podem ser desconectados dos respiradores artificiais, mas “você não pode reverter a morte”. Os tribunais parecem não aceitar o que poderia ser rotulado de casos de vida indesejada. Mas o Dr. Pope vê essa mudança e já compilou vários exemplos recentes no Jornal de Ética Clínica.

“Os tribunais cada vez mais aceitam que a vida indesejada é também um dano”, disse ele. “As famílias estavam aparecendo nos escritórios de advogados no passado e sendo mandadas embora. Agora, os advogados dos queixosos estão aceitando esses casos”.

Durante décadas, desde as amargas batalhas legais envolvendo Karen Ann Quinlan e Terri Schiavo, os americanos têm sido continuamente instados a colocar seus desejos de fim de vida por escrito.

“A lei estadual, a lei federal, todos os grupos médicos e de defesa – todos passam a mesma mensagem”, disse Pope. – Há essa promessa. Se você documentar, se você preencher uma diretiva antecipada, isso garante que suas preferências serão honradas”, no momento de sua partida.

E quando não são, os pacientes muitas vezes carregam pelo menos parte da culpa. Eles escreveram instruções vagas, talvez, ou deixaram documentos cruciais em casa ou no escritório de um advogado.

Nestes casos recentes, no entanto, os advogados argumentam que os pacientes e seus agentes nomeados fizeram tudo certo – e, ainda assim, os pacientes foram submetidos a ações indesejadas de prolongamento da vida.

Na Geórgia, Jacqueline Alicea está processando o Hospital de Médicos de Augusta e o cirurgião que ordenou que sua avó, Bucilla Stephenson, de 91 anos, fosse colocada em um respirador artificial em 2012. Isso violou as instruções verbais de Alicea, a agente de saúde designada de sua vó, e a diretiva da Sra. Stephenson que nega esses procedimentos de prolongamento da vida.

“Teria dado no mesmo se os documentos estivessem na lata de lixo, por todo o bem que fez a Stephenson”, disse Harry Revell, advogado da Alicea. “Eles ignoraram e atropelaram os direitos da paciente”.

Uma declaração do Doctors Hospital expressou simpatia pela família, mas disse que “os cuidados prestados eram adequados e no melhor interesse do paciente”.

Por mais que Alicea estava pronta para deixar a natureza tomar seu curso, ela inicialmente hesitou em dizer aos médicos para desconectar a maquinaria que estava mantendo sua avó viva. Após uma semana, no entanto, ela autorizou a remoção do respirador e cuidados de conforto. Sua avó morreu três dias depois.

O processo da Sra. Alicea, programado para um julgamento em junho, busca aproximadamente US $ 200.000 em despesas hospitalares e médicas (que grande parte foi paga pelo Medicare), além de danos punitivos e o dinheiro gasto com advogados.

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Uma decisão no caso em julho passado pelo Supremo Tribunal da Geórgia, no entanto, pode já ter consequências para outros demandantes. Os juízes negaram as alegações de imunidade dos réus, dizendo claramente:

é a vontade do paciente ou de seu agente designado, e não a vontade do médico, que manda”.

Decisões judiciais como esta podem influenciar julgamentos posteriores, mesmo em outros estados.

Uma decisão de um tribunal de apelo na Califórnia permitirá que uma viúva receba honorários de advogados em um caso envolvendo a diretiva antecipada do marido e os esforços do condado de Humboldt, onde o casal viveu, para intervir sob seus cuidados.

Dick Magney tinha nomeado sua esposa, Judith, como sua tomadora de decisão. Hospitalizado em 2015 com uma variedade de condições potencialmente fatais, ele optou por cuidados paliativos. Então alguém no hospital relatou suspeita de negligência para a agência de serviços de proteção do adulto do condado.

Judith Magney, de 71 anos, e seu advogado passaram meses lutando contra o condado, que tentou substituir a Sra. Magney como agente de seu marido, começou o tratamento com antibióticos que ele havia recusado e nomeado brevemente um conservador.

Em uma entrevista, Jeffrey Blanck, advogado do condado, defendeu essas ações em nome do Sr. Magney, porque “ele estava lúcido apenas de vez em quando” e concordou com antibióticos em algumas vezes.

O Sr. Magney morreu em um lar de idosos em outubro de 2015 aos 74 anos. Mas a tentativa de sua viúva de forçar Humboldt County a pagar suas contas legais continuou até que o Primeiro Distrito de Apelação da Califórnia emitiu uma opinião no outono passado.

Foi descoberto que o município tinha “conscientemente e intencionalmente deturpado tanto a lei e os fatos para o tribunal de primeira instância” e concedeu honorários advocatícios da Sra. Magney. Seu advogado, Allison Jackson, pediu US $ 1,44 milhão, incluindo danos punitivos.

Os conflitos judiciais em relação a diretivas antecipadas dificilmente representam uma lei estabelecida. Nestes casos recentes, “ninguém recebeu um cheque ainda”, observou o Dr. Pope.

E quando os casos acabam em algum acordo, como normalmente acontece, os termos geralmente permanecem confidenciais, então ninguém sabe o tamanho do cheque.

Agências do Estado também penalizam lares para ressuscitar os residentes que têm ordens de não ressuscitar. Eles principalmente levaram multas insignificantes – US $ 1.370 em Connecticut, US $ 16.000 na Flórida -, mas essas ações podem afetar as escolhas dos consumidores de lares de idosos.

“Agora, quando você vai para Nursing Home Compare, isso afeta suas notas e suas reputações”, disse o Dr. Pope, referindo-se ao Medicare, o guia on-line do governo para instalações de assistência à vida e lares de idosos.

Em Maryland, o caso Weisman tem uma data de julgamento: novembro. “O testamento vital estava bem no topo de sua ficha. Eles simplesmente não se interessaram em olhar,” disse o advogado de Weisman, Robert Schulte.

William Weisman morreu cerca de um ano após a morte de sua esposa, então seu filho, Christian, entrou com o processo. Ele quer 250 mil dólares em despesas hospitalares, mais o custo anual de cerca de US $ 180 mil de seu cuidado, desde sua ressuscitação até sua morte. O processo também insiste que o hospital melhore seus procedimentos e treinamento para diretrizes antecipadas de vontade.

Uma porta-voz do hospital disse em um e-mail que os membros da equipe que ressuscitaram a Sra. Weisman não desconsideraram intencionalmente seu Testamento vital. E o tribunal superior de Maryland decidiu que conceder a vida não é um crime.

Ela também observou que a “Sra. Weisman teve uma recuperação notável”. Isso é verdade – graças à terapia física intensiva e cuidados a domicílio 24 horas por dia, todos pagos por fora. Anteriormente, uma jogadora ativa de boliche e de bridge, a Sra. Weisman deixou Maryland General em novembro de 2013, de cama e precisando de um tubo de alimentação e cateteres.

Agora com 86 anos, ela mora em casa em Easton com turnos de cuidadores, come refeições, reconhece os membros da família e é levada para a igreja aos domingos. Mas a demência a deixa confusa e com medo, disse o filho.

“Estou feliz por ver minha mãe todos os dias, mas também a estou vendo sofrer todos os dias”, disse Weisman. “Ela pergunta por que ela ainda está aqui. É uma coisa difícil de responder.

(*)Paula Span escreveu para o The New York Times. Texto traduzido livremente por Sofia Lucena.

Nota da redação Portal

Apesar do Brasil ainda não ter legislado sobre o tema, em 31 de agosto de 2012 o Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou a Resolução CFM 1.995 13, reconhecendo o direito do paciente manifestar sua vontade sobre tratamentos médicos e designar representante para tal fim, bem como o dever de o médico cumprir a vontade do paciente. Acompanhe um testamento gerontológico elaborado por uma colaboradora do Portal do Envelhecimento, publicado em nossa Revista Portal: https://www.portaldoenvelhecimento.com/revista-nova/index.php/revistaportal/article/view/679/748

Saiba mais em: Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro: https://www.scielo.br/pdf/bioet/v21n3/a11v21n3.pdf

 

 

 

Sofia Lucena

Estudante de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (SP). Mestre em Inovação e Design Testado por Usuários pela ENSGSI, na França. Com certificado Cambridge de proficiência em inglês e DELF B2 francês, colabora com o Portal do Envelhecimento fazendo traduções de temas relacionados à longevidade humana. E-mail: [email protected]

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Estudante de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (SP). Mestre em Inovação e Design Testado por Usuários pela ENSGSI, na França. Com certificado Cambridge de proficiência em inglês e DELF B2 francês, colabora com o Portal do Envelhecimento fazendo traduções de temas relacionados à longevidade humana. E-mail: [email protected]

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