Médicos insensíveis são mais nocivos que muitas doenças

Médicos insensíveis são mais nocivos que muitas doenças

Em 2005 Hamilton Jadon foi diagnosticado com a Doença de Parkinson. A crueldade do médico ao dar a notícia quase o destruiu. Conseguiu superar e escrever um livro narrando sua história. Mostrar ao mundo que é possível ser parkinsoniano com qualidade de vida. Chamar a atenção de médicos, profissionais da saúde e cuidadores sobre como lidar com os portadores da Doença de Parkinson. Muitos morrem cedo ou evoluem para um quadro demencial não por conta da doença em si, mas pela falta de humanidade na hora de receber o diagnóstico.

 

Empresário bem sucedido, feliz no amor, vida estável, só uma coisinha o incomodava, a lombar. Uma dorzinha que o incomodava cada vez mais. Procurou um especialista. Achou por bem operar.

Hamilton Jadon começou a se preparar para a cirurgia com um fisioterapeuta. Precisava estar em forma para garantir uma boa recuperação pós cirúrgica. Foi quando começa seu calvário. O experiente fisioterapeuta desconfiou dos leves tremores apresentados pelo empresário.

– “Dr. Hamilton, já foi ver o que são esses tremores?”

– “Bobagem. Não é nada. E para de me chamar de doutor…”

– “E se for o início da Doença de Parkinson?”

– “Para de encher o saco… vamos malhar, quero ficar logo em forma.”

– “Dr. é sério, não custa nada procurar um neurologista e tirar a dúvida.”

– “Quem disse que eu tenho dúvida?”

Ninguém gosta de ir ao médico, principalmente quando “sabe” que não tem nada. Afinal, quem conhece seu corpo é você… Hamilton foi ao médico para tirar a dúvida que o fisioterapeuta plantou na sua consciência.

– “Parkinson… imagina que insanidade… com tanto trabalho… não sei o que estou fazendo aqui!”

– “Para de ser resmungão. Vai ser rápido.”

Hamilton não apresentava sintomas da doença, só uns “tremores essenciais”, comuns e benignos, como leu na Internet. Estava tranquilo. Sua preocupação era o trabalho. Havia um bocado de coisa para resolver na empresa. Fez todos os exames e retornou com a mulher para receber os resultados.

– “Pode entrar seu Hamilton. Como vai dona Vera. Vamos conversar?”

Médico simpático. Profissional respeitável. Especialista.

– “Já tem os resultados?”

– “Infelizmente esses tremores são sintomas da Doença de Parkinson. Como o senhor sabe, trata-se de uma doença degenerativa, sem cura. Daqui para a frente a tendência é piorar. Vamos medicá-lo, mas com o tempo a doença exigirá doses maciças…”

O especialista falava sozinho. Hamilton e Vera não conseguiam raciocinar. Impactados com a primeira frase. Hamilton começou a suar e tremer, de raiva, não era para estar ali, com tanto trabalho…

– “Dona Vera, está prestando atenção? A senhora precisa entender que seu marido vai se tornar totalmente dependente em pouco tempo e…”

Um assassino teria sido mais piedoso que o especialista, pois só em filmes de bangbang eles dizem “Prepare-se para morrer!”, na vida real eles simplesmente atiram e matam de uma vez.

Médico assim, infelizmente, não é exceção. Eles conseguem ser piores que a doença. Hamilton deixou o consultório – ou matadouro, se preferirem – mais morto do que vivo. O médico conseguiu destruir sua vida em um piscar de olhos, pow! Sonhos e esperanças foram pelo ralo. O futuro exterminado com palavras, pow, pow, pow!

– “Vamos consultar outro médico, esse maluco só pode estar equivocado.”

– “Estou me segurando para não falar um palavrão… será que ele falaria assim se fosse a mãe dele?”

– “Não duvido nada… isso não é médico, é um cavalo.”

– “Não ofenda os cavalos…”

– “Que merda de escola forma esse tipo de profissional? Será que não recebem aulas de humanidade, compaixão, solidariedade?”

Hamilton procurou outros médicos. O diagnóstico se confirmou. Pior, confirmou-se também a postura sádica dos especialistas. Talvez por serem especialistas, acreditem que quem os procuram querem ouvir exatamente isso:

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– “O que o sr./sra. tem é Parkinson!”

Além da indiferença, uma total falta de respeito com o paciente. O especialista esquece que o Parkinson não é uma demência, que a pessoa está consciente e compreende tudo com perfeição. No entanto, se a pessoa está acompanhada, o médico a deixa de lado e passa a tratar com o acompanhante como se ela, paciente, não existisse ou fosse incapaz de entender seu problema. Por isso chorou quando encontrou um médico que conversou com ele, olho no olho, ao explicar sua situação e os cuidados que deveria tomar para minimizar os sintomas da doença, lutar por qualidade de vida.

– “Existem médicos competentes, humanos e bons.”

– “Claro que existem. É assim em todas as áreas…”

Aceitar a doença foi difícil, principalmente porque ela estava muito no início.

– “Será que eu tenho mesmo isso?”

Estudar a doença, pesquisar, procurar informações na expectativa de descobrir que sua cura está próxima. A qualquer momento surgirá uma vacina, uma pílula, uma pesquisa que já se pode viver com o Parkinson pelo resto da vida sem grandes preocupações, é só não esquecer de tomar o coquetel pela manhã e à noite.

– “Amor, e os remédios, não vai comprar?”

– “Mas eu não tenho nada… não sinto nada… descobri um médico que trata tudo a base de dieta. A gente é aquilo que a gente ingere. Faz sentido, não faz?”

– “Faz… o importante é você começar um tratamento o quanto antes e não ficar esperando a doença se manifestar, começar a combatê-la desde já.”

– “É o que vou fazer.”

Hamilton entrou numa dieta severa. Apostou suas fichas na medicina alternativa. De repente, tudo o que gostava se tornou proibido. Não pode comer isso, isso e isso.

– “Nem um pouquinho?”

– “Nada. Se quer se curar, tem que seguir a dieta com seriedade.”

Dois anos de dieta. Sacrifício em vão. A doença ganhava força e seus sinais já podiam ser visto por todos. Não tinha mais como continuar com a empresa. A prioridade passou a ser sua saúde. Parou com a dieta e entrou no tratamento medicamentoso e não medicamentoso. Profissionais de todas as áreas, tudo o que pudesse contribuir para estacionar o progresso da doença, mantê-la sob controle.

Por mais que estivesse disposto a lutar, a doença parecia determinada a vencer, a levá-lo às cordas. Contribuía para isso a depressão. Seu estado físico se deteriorava. Sua voz sumia. Parecia mesmo o fim da linha. E quando imaginou que estava no fundo do poço, descobriu que o poço era mais fundo ainda ao passar por uma cirurgia e perder o movimento das pernas, passar a se locomover sobre uma cadeira de rodas, totalmente dependente.

Com a capacidade mental preservada, sabia muito bem que enfrentava um titã da envergadura de um Tífon, o gigante que submeteu Zeus e botou para correr todos os deuses do Olimpo. Não era uma luta pequena, príncipe contra dragão, Davi contra Golias, era Zeus contra um titã que havia arrancado seus tendões e o imobilizado. Para vencer, precisava recuperar sua capacidade de andar e falar de forma compreensível. Mesmo assim a vitória jamais seria definitiva. Mas nenhuma é, pois ninguém sai vivo da aventura da vida.

Hamilton descobriu como um bom mergulhador que se tivesse forças podia usar o fundo do poço para dar impulso e voltar para a superfície. Conseguiu. Fez isso por um motivo. Precisava escrever um livro narrando sua história. Mostrar ao mundo que é possível ser parkinsoniano com qualidade de vida. Chamar a atenção de médicos, profissionais da saúde e cuidadores sobre como lidar com os portadores da Doença de Parkinson. Muitos morrem cedo ou evoluem para um quadro demencial não por conta da doença em si, mas pela falta de humanidade na hora de receber o diagnóstico.

O livro Parkinson, Aprendizado e Superação acaba de ser lançado pela Artífice Editorial. Uma vitória pessoal de Hamilton Jadon (leiam mais no facebook do autor). Hamilton dá palestras sobre o tema – aprendizado e superação – e segue na luta levando esclarecimento e esperança aos parkisonianos por meio do projeto Vibrar Parkinson, coordenado por Danielle Ianzer, pesquisadora do Laboratório de Fisiologia da Universidade Federal de Goiás e parkinsoniana. No livro, Danielle dá um depoimento na mesma linha de Hamilton sobre a forma como recebeu o diagnóstico:

– “O que você tem é Parkinson.”

– “Assim, sem cuidado algum, como se estivesse dizendo você tem gripe.”

O Parkinson enviou os primeiros sinais para Danielle em 2005, quando ela tinha apenas 30 anos. Durante seis anos ela procurou saber a razão dos seus tremores que de essenciais não tinham nada. Só em 2011 um especialista cravou o diagnóstico de doença de Parkinson como quem bate na mesa com euforia e diz eureca. Jovem, esclarecida, Danielle ouviu e manteve a dignidade diante do médico. Ouviu que devia tomar tais e tais medicamentos e fazer atividades físicas. Caminhou até o estacionamento, entrou no carro e desmoronou:

– “Não conseguia acreditar. Fiquei sem chão e sem horizonte ao mesmo tempo. Não sabia a quem recorrer. Não conhecia ninguém com diagnóstico igual ao meu com quem pudesse conversar e desabafar. Várias perguntas me atormentaram: por que comigo? Só eu tenho essa doença? Até quando vou viver? Vou definhar?”

A falta de cuidado do médico ao dar o diagnóstico torna tudo mais difícil. Danielle teve o apoio da família para superar este primeiro e desastroso momento, mas foram seis meses de choro, de sofrimento intenso por conta de um médico que aprendeu a lidar com doenças, mas não com seres humanos. Fujam desse tipo de profissional. Procurem médicos competentes que ofereçam tratamentos humanizados. Eles existem, mas infelizmente ainda são raros.

 

 

 

Mário Lucena

Jornalista, bacharel em Psicologia e editor da Portal Edições, editora do Portal do Envelhecimento. Conheça os livros editados por Mário Lucena.

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