“Julieta”, resistência passiva à vida?

“Julieta”, resistência passiva à vida?

O filme “Julieta”, de Almodóvar, é uma obra que lida com a tragédia e apresenta “a dor” de forma delicada e profunda. A história nos  transporta para o estado emocional da personagem. No debate, não me surpreendi ao notar que houve empatia com a história tão sofrida de Julieta. A introspecção do personagem é um espelho das nossas vidas. Julieta é um filme para deixar reverberar na nossa alma por um bom tempo. 

O Itaú Viver Mais proporcionou ao Portal do Envelhecimento, a parceria, em mais um debate sobre o  filme Julieta – obra do Diretor Pedro Almodóvar. Este grande cineasta que já faz parte do público 60+ (nascido em 1949) dirige uma obra  simples e comovente. Almodóvar em adaptação livre trabalha com três contos da escritora canadense, Alice Munro.

“Não tenho mais o mesmo gosto pelas histórias do começo da minha carreira. Tem a ver com a idade e com o tempo que passa e também com meu estado de espírito, a vida que levo, minha visão do mundo…”, disse Almodóvar em entrevista a um site Europeu.

A passagem do tempo em nós é entendido pelo público presente ao debate após o filme, maioria mulheres. Os homens são poucos, acompanhando suas mulheres. O Itaú Viver Mais tem oferecido oportunidade a pessoas de 55 anos para cima assistir filmes em suas salas de cinema de forma gratuita, e filmes que desafiam este público a refletir sobre a vida. Filmes de grandes diretores, com temas contemporâneos e importantes para nosso longeviver.

No debate ocorrido logo após o filme Julieta, houve um silêncio, introspecção típica de público que sai do cinema após assistir um filme “papo cabeça,” como dizíamos nos anos 70. Não era para menos, trabalhar o tema da dor é um desafio. Quando o filme terminou “pulei da cadeira e respirei fundo”, pronta para mediar o debate! O silêncio do público me ajudou a observar as pessoas e suas reações. Não por ocaso Almodóvar pensou em dar o título do filme o nome de um dos contos – Silêncio.

A narrativa do filme gira em torno da personagem “Julieta” – interpretada por Adriana Ugarte que vive a jovem Julieta e Emma Suárez que assume a protagonista em sua idade adulta -, que vive em Madri (Espanha), prestes a se mudar para Portugal com o namorado quando ocorre um encontro inesperado com uma amiga da adolescência de sua filha. Neste momento a trama se desenvolve e Almodóvar começa a história indo e voltando ao passado desta personagem “misteriosa e enigmática”. Afinal a memória não tem cronologia, não ocorre em tempos lineares. Há um rosto e alma que aos poucos surge na tela, após romper sua viagem a Portugal. Julieta decide ficar em Madri, mas em outro bairro, ela  volta a morar em um antigo endereço e ali escreve uma carta/diário endereçada à sua filha, “desaparecida” há 12 anos.

O filme é feminino? Se pensarmos na filmografia de Almodóvar, sim. Ele reflete sobre a maternidade e seus conflitos. Fala da solidão, de perdas e da fragilidade que somos.

A Julieta “do Almodóvar” aborda situações parecidas com as que vivemos, cotidiano e temas que nos circundam: Relação mãe filha, dor da perda por morte e afastamento, dificuldade de diálogo. O “acaso”, sonhos, medo, imprevistos banais que vêm à tona e mudam o rumo das nossas vidas.

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Há elementos simbólicos, que Almodóvar nos presenteia, como cor (vermelho-sangue-vida), música, paisagens, figurinos, decoração de ambientes. A natureza que impõe seus caprichos. Observem o Mar calmo em um azul que nos acalma e depois o Mar revolto na tempestade!  Há uma cena noturna belíssima, no trem, onde um cervo caminha em direção desconhecida. Quase que na sequência o trem para devido a uma tragédia!

A relação mãe – filha permeada de culpas. Julieta se sente culpada nas mais diversas situações da sua trajetória  – o homem no trem, seu marido, sua depressão, ausências (como mãe) na adolescência da filha e a relação com seu pai e sua mãe.

Se compararmos com as nossas vidas, vemos que há momentos no filme similares às nossas trajetórias e perguntamos ao envelhecer: Onde errei, como mãe, filha, mulher, profissional? Saímos, deste filme com reflexões importantes, o que é muito bom. Afinal, precisamos falar do que se passa em nós quando da passagem do tempo em nossa existência.

Uma senhora, no debate, quando se comentou que em filmes anteriores Almodóvar retratava normalmente mulheres poderosas, empoderadas, mas que neste, a personagem era uma mulher vulnerável e frágil, reagiu e contestou opinando que não aceitava a palavra “frágil”. Pelo contrário,  o sofrimento vivido por Julieta era prova de que ela era uma mulher forte. Situações de fragilidade, vulnerabilidade mexem com a percepção de cada um. Como obra de arte as possibilidades interpretativas do filme são várias e dependem do olhar do intérprete.

Para Almodóvar, segundo entrevista à imprensa internacional: “De todas as mães que retratei, Julieta é a mais frágil e vulnerável. Dela eu crio uma história sobre resistências passivas à vida”, diz Almodóvar”.

No debate foi perguntado aos homens o que tinham achado do filme que tem como protagonistas apenas mulheres. Não houve muitos comentários e ouso opinar que os homens presentes no debate, assim como os homens no filme, talvez vivam um pouco a dificuldade de lidar com as mulheres à sua volta. Um dos participantes comentou que a escultura de um homem castrado presente no filme do começo ao fim, simbolizava a passividade do homem. Talvez para Almodóvar, a estátua, assim como Julieta, representam nossas histórias de passividade à vida.

Será que a forma como a mulher/mãe vive a dor/sofrimento é diferente para os homens? O vazio no mundo feminino é existencial? O homem é mais prático?

O debate questionou e provocou o público para a filmografia de Almodóvar, catalogado como cinema de autor. Sentimentos como ciúme, rivalidades (vide a personagem da Empregada), relacionamentos que se intercalam na vida familiar, mãe-filha! O “estilo Almodóvar” é presente em todos os filmes, pois tratam das nossas vivências/emoções.

O filme Julieta é uma obra que lida com a tragédia e apresenta “a dor” de forma delicada e profunda. A história nos  transporta para o estado emocional da personagem. No debate, não me surpreendi ao notar que houve empatia com a história tão sofrida de Julieta. A introspecção do personagem é um espelho das nossas vidas. Julieta é um filme para deixar reverberar na nossa alma por um bom tempo.

(*) Conceição Souza. Formação em Administração de Empresas na PUC-SP. Membro da Equipe Portal do Envelhecimento. E-mail: [email protected]

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