Interdisciplinaridade: uma análise da importância da Odontologia para médicos geriatras

Considerando a crescente importância e necessidade de atenção integral aos idosos, o propósito deste trabalho é uma abordagem do conhecimento de médicos com atuação na área geriátrica sobre saúde bucal e sua inter-relação com a saúde sistêmica, além da interação desses profissionais com os cirurgiões-dentistas de seus pacientes.

Maria Cecília Azevedo de Aguiar, Fernando Luiz Brunetti Montenegro,  Elizabete Regina Araújo Oliveira, Leonardo Marchini *

Para tanto, foram aplicados 111 questionários a médicos geriatras do Estado de São Paulo. Como resultados, a maior parte deles participavam de equipes interdisciplinares, dentre as quais poucas dispunham de cirurgião dentista como membro permanente, apesar de grande número considerar necessária esta participação, além de terem revelado conhecimentos insuficientes sobre a inter-relação entre saúde bucal e saúde sistêmica. Perante os resultados obtidos, pode-se concluir que é necessário um maior intercâmbio entre médicos geriatras e odontólogos, bem como participação ativa dos cirurgiões-dentistas em equipes interdisciplinares, proporcionando, dessa forma, uma melhor assistência e qualidade de vida à terceira idade.

Introdução

“Se falamos de múltiplos profissionais, interativos, com interesse em transferir conhecimentos em todos os sentidos, estamos falando de uma equipe, e não de um conjunto de profissionais” (Jacob Filho & Sitta (12), 1996).

Os idosos constituem o segmento que mais cresce da população brasileira. Segundo o IBGE 10 (2002), a projeção para 2050 é de que a proporção de idosos esteja em torno de 25%, o que colocará o Brasil como a sexta maior população idosa do mundo em números absolutos.

Um dos grandes desafios para a atenção ao idoso advém do fato de que quanto mais envelhecem, mais diferentes tornam-se as pessoas e freqüentemente maior a complexidade clínica de assistência encontrada (Shinkai & Del Bel Cury (26), 2000). Nesse contexto, a atuação de uma equipe interdisciplinar torna-se fundamental, na medida em que participa, analisa e integra conhecimentos específicos de diversas áreas com o objetivo comum de promover e manter a saúde dos idosos (Jacob Filho & Sitta (12), 1996).

Entretanto, a participação do cirurgião-dentista em equipes interdisciplinares de assistência à terceira idade ainda não é efetiva (Brunetti & Montenegro (2), 2002). A dificuldade de vivência interdisciplinar tem raízes na desinformação sobre quando, em que, como e porque a odontologia pode ajudar numa equipe. O sentido inverso, ou seja, o não-conhecimento da ação das outras áreas profissionais pelo cirurgião-dentista, também é verdadeiro (Shinkai & Del Bel Cury (26), 2000).

Essa postura individualista assumida por profissionais das diferentes áreas de atuação da saúde contraria diretrizes da II Conferência Nacional de Saúde Bucal (4) (1993), que enfatiza a indissociabilidade da saúde bucal e da saúde geral dentro de uma visão holística do indivíduo. Este conceito é corroborado por Berg & Morgenstern (1) (1997), que afirmam que alterações bucais têm conseqüências em todos os órgãos do corpo, especialmente pelo fato de a boca ser a porta de entrada de alimentos e líquidos. Qualquer alteração por ela sofrida pode comprometer o funcionamento de um órgão, que, por sua interdependência, ajuda a influenciar outros.

Diversos estudos da literatura científica mundial apontam altos índices de enfermidades na saúde sistêmica e bucal da população idosa. Aliados ao conhecimento da indissociabilidade e inter-relação entre saúde bucal e saúde sistêmica, faz-se fundamental a realização de pesquisas sobre interdisciplinaridade. Assim sendo, o presente trabalho propõe uma abordagem do conhecimento de médicos com atuação na área geriátrica sobre saúde bucal e sua inter-relação com a saúde sistêmica e interações desses profissionais com os cirurgiões-dentistas de seus pacientes.

Metodologia

Para o desenvolvimento do presente estudo, foram elaborados uma carta de apresentação e um questionário composto por 16 questões fechadas, validado através de estudo piloto, para a obtenção de um modelo final.

Os questionários foram, então, enviados via postal a todos os médicos do Estado de São Paulo registrados na Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). A amostra foi composta por 380 profissionais, sendo selecionados aleatoriamente a partir de um universo de 512 médicos com atuação geriátrica do Estado de São Paulo.

Em cada uma das correspondências foi anexada uma carta-resposta, composta de um envelope pré-endereçado e selado para retorno gratuito.

Após o recebimento dos questionários respondidos, os dados foram tabulados e submetidos a tratamento estatístico de frequências relativas e absolutas, que consistiu em somatórias e cálculos de médias simples para cada variável, além de análises bivariadas (teste t-student) e multivariadas (teste F-statistic) pelo software Eviews versão 3.1.

Resultados e discussão

De um universo de 380 correspondências enviadas, foram recebidas 111 respostas, resultando num índice de resposta de 29,21%, considerado significativo para questionários postados. As variáveis presentes em cada questão foram tabuladas e submetidas à análise estatística.

Tempo de atuação clínica

O tempo em que médicos exerciam atividades no campo da geriatria e gerontologia é representado no gráfico 1. Quanto a esta variável, pode-se observar que tem ocorrido um crescente aumento no número de profissionais com atuação geriátrica nos últimos anos, tendo-se em vista que as faixas de menor tempo de atuação concentram os maiores índices destes. Esse incremento de médicos com atenção voltada à terceira idade é de fundamental importância, já que, segundo Gorzoni 9 (2004), o número de profissionais da área médica especializados no tratamento geriátrico ainda é insuficiente.

Gráfico 1: Tempo de exercício das atividades no campo da geriatria e gerontologia pelos entrevistados

Ter título de especialista

Quanto ao fato de possuírem título de especialista em geriatria reconhecido por instituições médicas, 72 (64,86%) profissionais possuíam e 39 (35,14%) não, tendo estes últimos títulos em outras especialidades médicas ou atuando como clínicos gerais. Nesse sentido, pode-se ressaltar que muitos profissionais especializam-se em geriatria ou gerontologia e não registram o título obtido nas instituições pertinentes. Segundo registros do Conselho Federal de Medicina (CFM 5, 2005), existem 352 médicos geriatras ativos no Brasil, sendo que a instituição em questão somente possui a informação daqueles que registraram sua especialidade e, como não há a obrigatoriedade desse registro, este não é um número exato. Já a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG (24), 2005), outra instituição responsável pelo registro dos médicos especialistas em geriatria, informa que no Brasil há 1653 médicos registrados na área, sendo que 512 destes concentram-se no Estado de São Paulo. Por sua vez, Gorzoni 9 (2004) afirma que existem apenas 550 geriatras especialistas espalhados pelo país. Por estas divergências encontradas, não parece ser confiável avaliar o fato de o profissional ser registrado ou não como especialista na área.

Estabelecimentos de trabalho, equipes interdisciplinares e odontologia

Em relação aos tipos de estabelecimentos em que trabalhavam, houve predomínio de atuação em consultórios particulares (81,99%), seguida pelos hospitais (68,47%), instituições públicas (20,73%) e privadas (18,92%) para idosos, em serviço próprio de atendimento domiciliar (16,22%), em casas de repouso e/ou asilos (14,42%), 9,01% dos entrevistados trabalhavam em serviços públicos (o que incluía 1 profissional trabalhando em posto de saúde, 6 em órgãos da prefeitura municipal, 1 em serviço público de atendimento domiciliar, 1 em atividades de coordenação do SUS e 1 no PSF) e lecionando em faculdades (7,21%).Sendo esta uma questão de múltipla escolha, cada profissional poderia marcar mais de uma das alternativas propostas, caso atuasse em diferentes estabelecimentos.

Com exceção dos consultórios particulares, os demais locais de atuação citados abrem amplos caminhos para o trabalho em equipes interdisciplinares. A maioria dos entrevistados relatou fazer parte destas (75,68%), dentre as quais poucas dispunham de cirurgião dentista como membro permanente (22,62%), apesar de grande número deles (79,28%) considerar necessária esta participação. Os achados são concordantes com observações de Brunetti & Montenegro 2(2002), que relatam que a participação do cirurgião-dentista em equipes de assistência ao idoso ainda não é efetiva.

Importância da Odontologia para os médicos

O gráfico 2 representa as repostas dos entrevistados sobre de que modo um cirurgião-dentista poderia auxiliar numa assistência ampla ao idoso. Sendo esta uma questão de múltipla escolha, cada profissional poderia marcar mais de uma das alternativas propostas. Com essa questão, os médicos estavam indiretamente opinando sobre sua visão em relação ao papel da odontologia e à saúde bucal. As respostas obtidas serão aqui comentadas em ordem decrescente de opções marcadas pelos entrevistados.

Gráfico 2: Repostas dos entrevistados sobre de que modo um cirurgião-dentista poderia auxiliar numa assistência ampla ao idoso

A forma de atuação considerada como sendo a principal (97,3%) foi “referente aos cuidados dentários”, principal área de atuação odontológica na visão dos entrevistados e, provavelmente, na visão da maior parte dos profissionais do corpo de saúde. Em seguida, foi selecionada a opção “melhorando a condição mastigatória para auxiliar nos problemas nutricionais” (93,7%). Nesse contexto, diversos estudos comprovam a inter-relação entre saúde bucal e aspectos nutricionais (Marcenes et al 14, 2003; Oliveira & Frigério 19, 2004).

Em terceiro lugar, com 80,19%, “no apoio à equipe de enfermagem sobre medidas preventivas odontológicas”, condizente com conceitos de Erickson 8 (1997) e Rezende 22 (2005) de que o corpo de enfermagem geralmente desconhece medidas preventivas em odontologia, que gostaria de conhecê-las, mas que nem sempre há um cirurgião-dentista ou higienista bucal disponível.

Em quarto lugar (70,28%), foi selecionada a opção “no controle da hiposalivação”, sendo em tais casos de grande importância a atuação odontológica, pelo fato de haverem diversas medidas para proporcionar conforto ao paciente e evitar as seqüelas decorrentes da xerostomia (Erickson 8, 1997), além dos relatos como sendo fundamental a interação entre médicos e cirurgiões dentistas do paciente para tentar solucionar o problema, através da revisão do regime de drogas prescritas e diálogos sobre a possibilidade de eliminação de medicamentos com efeitos anticolinérgicos (Cassolato & Turnbull 3, 2003).

Também em quarta posição (70,28%) foi selecionado o item “na terapêutica de dores relacionadas ao sistema estomatognático”, área de atuação específica da Odontologia (Dini & Castellanos 7, 1993; Pucca Jr 21, 1996).

Em quinto lugar (68,47%), foi apurada a opção “no preparo odontológico pré, trans e pós-terapias anticancerígenas”, sendo a participação do cirurgião-dentista, segundo Miglioratti 15 (2002), essencial junto às equipes que prestam atendimento aos pacientes oncológicos, seja minimizando as seqüelas do tratamento, adotando protocolos de higiene para pacientes acamados/ intubados, proporcionando maior conforto ou restabelecendo estética e função nos casos das mutilações, através das próteses bucomaxilofaciais.

Em sexto lugar (59,46%), foi selecionada a opção “na prevenção da endocardite infecciosa”, doença cuja média de idade dos pacientes tem aumentado progressivamente: segundo Santos 23 (2002), 55% dos pacientes acometidos são idosos. Levantamentos da literatura científica indicam que de 4% a 20% das endocardites infecciosas são de origem bucal (Moraes, Dias & Furtado 17, 2004), o que torna fundamental o estabelecimento de programas odontológicos preventivos rigorosos nos pacientes susceptíveis para a sua prevenção (De Geest et al 6, 1990).

A sétima alternativa mais freqüente (23,43%) foi “no controle do diabetes”, doença com incidência e prevalência crescente com o envelhecimento (Nasri 18, 2002; Ministério da Saúde 16, 2003), caracterizada por alterações que trazem conseqüências para o estado clínico geral do paciente e, de maneira particular, para a integridade da cavidade oral. Em contrapartida, diversos estudos apontam a doença periodontal como fator que dificulta o controle metabólico do diabetes (Karikoski, Murtomaa & Ilanne-Parikka 13, 2002; Williams & Offenbachers 27, 2000).

Em seguida, situaram-se as opções “no controle da hipertensão arterial sistêmica” (14,42%) e, em menor número, “na prevenção da aterosclerose e doenças cardiovasculares” (11,72%). Essas alternativas foram selecionadas em números pouco expressivos, o que pode refletir o desconhecimento da potencialidade da saúde bucal em contribuir para a manutenção e melhora da saúde sistêmica, uma vez que há estudos (Williams & Offenbachers 27, 2000) que apontam a periodontite como fator predisponente ou agravante para as doenças cardiovasculares e outros que demonstram que protocolos de higiene oral e cuidados profissionais podem diminuir a ocorrência dessas doenças em idosos com saúde comprometida (Senpuku et al 25, 2003).

Alguns médicos (7,21%) marcaram a opção “outros”, o que foi especificado por eles como “participando ativamente das equipes interdisciplinares”, “orientando a população idosa com palestras sobre cuidados bucais”, “na prevenção do câncer bucal”, “na melhora da qualidade de vida e aumento da auto-estima”, “incorporando-se à pesquisa e extensão universitária” e “no trabalho conjunto com fonoaudiólogos na avaliação e controle da fase oral da disfagia”. Consideramos de grande importância a amplitude de visão sobre saúde por parte desses profissionais,, apesar de serem poucos, tendo-se em vista que a Odontologia tem muito a contribuir quanto às opções citadas e que é considerada por eles necessária uma participação mais ativa e efetiva dos cirurgiões-dentistas para a promoção de saúde.

A Odontogeriatria como especialidade odontológica

A Odontogeriatria como especialidade odontológica mostrou-se conhecida a apenas 59,45% dos entrevistados, bem como a ciência de algum dentista com atuação preferencial nesta área obteve índices de 42,34%, dados que mostram a necessidade dos cirurgiões-dentistas desta área estabelecerem contatos com os demais implicados nos cuidados à saúde, além de maior e mais eficiente participação em equipes interdisciplinares e divulgação da existência e potencialidades da especialidade. Esta necessidade é corroborada por dados do estudo, onde 99,09% dos entrevistados afirmaram crer que um profissional com tais conhecimentos os ajudariam nos casos onde houvesse envolvimento específico, além de todos (100%) terem relatado que solicitariam a intervenção de um cirurgião-dentista com conhecimentos gerontológicos.

Interdisciplinaridade com cirurgiões-dentistas

Quanto à interação com o cirurgião-dentista do paciente, 59,46% dos médicos relataram ser acontecimento comum. Sobre a existência de um profissional da Odontologia com quem costumassem trabalhar ou indicar quando solicitados; 59,46% revelaram haver. Entre os entrevistados, 61,26% afirmaram já terem atendido pacientes encaminhados por cirurgiões-dentistas.

Os dados expostos revelam que a interação entre médicos e cirurgiões-dentistas é existente, entretanto, com índices abaixo dos desejáveis para profissionais atuantes numa população tão heterogênea como a de terceira idade e com maior freqüência de complexidade clínica encontrada, como relatam Shinkai & Del Bel Cury 26 (2000).

Quanto ao hábito de orientar os pacientes a procurarem periodicamente um odontólogo para exame da mucosa e prevenção do câncer oral, a maior parte (81,08%) informa ser freqüente. Esses números são animadores, tendo-se em vista que as neoplasias têm incidência aumentada com o envelhecimento e que o diagnóstico e o tratamento precoces proporcionam cura em cerca de 80% dos casos (INCa 11, 1992).

Questionamentos aos médicos por cirurgiões-dentistas

Quando questionados por cirurgiões-dentistas sobre dúvidas quanto à conduta em relação a atitudes clínicas com pacientes, 74 (66,67%) dos médicos afirmam ser comum dúvidas quanto ao tipo de anestésico local mais apropriado ao caso, 65 (58,56%) quanto aos fármacos utilizados pelos pacientes, 42 (37,84%) quanto a atitudes clínicas em caso de risco de endocardite infecciosa ou problemas cardíacos graves, 37 (33,54%) quanto à possibilidade de interações medicamentosas, 2 (1,81%) quanto ao horário mais adequado para atendimento clinico. 13 (11,72%) dos médicos não responderam à questão e 7 (6,31%) afirmam nunca terem sido consultados por dentistas. Sendo esta uma questão de múltipla escolha, cada profissional poderia marcar mais de uma das alternativas propostas, caso tivesse sido questionado sobre mais de uma das dúvidas citadas.

Nessa questão, as porcentagens encontradas parecem baixas frente a real necessidade de intercâmbio com o médico do paciente, devido à grande incidência de doenças crônicas relatada pela literatura científica, além dos vários medicamentos ingeridos pelos pacientes idosos.

Queixas dos pacientes aos médicos sobre alterações bucais

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Todos os entrevistados relatam ter recebido queixas por parte dos pacientes quanto a alterações na boca, com altos índices para todas, relatadas no gráfico 3.

Gráfico 3: Queixas relatadas aos entrevistados por parte de seus pacientes quanto a alterações na boca

Condutas dos entrevistados frente às queixas dos pacientes em relação a alterações bucais

Atenção especial deve ser dada à análise quanto às condutas relatadas pelos médicos quanto a essas queixas. Quanto a solicitar que o paciente procure auxílio odontológico (41,45%) ou conversar com dentista do paciente (47,45%) ou da equipe interdisciplinar (20,72%), são condutas viáveis e que alimentam trocas de experiências entre os profissionais. O fato de conversar com profissionais do corpo de enfermagem (9,91%) não pode ser recriminado, tendo-se em vista a pequena atuação de cirurgiões-dentistas constatada nas equipes interdisciplinares e o fato de enfermeiros e auxiliares de enfermagem serem os responsáveis diretos pela maior parte dos cuidados destinados aos pacientes, em especial nas instituições hospitalares ou asilares.

A conduta de prescrever medicamentos da farmacopéia médica (41,45%) para tratar problemas de origem odontológica deve ser cuidadosamente avaliada, uma vez que, dessa maneira, podem estar sendo tratados os sintomas de males orais sem, no entanto, sanar suas causas. Entretanto, quando a farmacologia é utilizada para substituir ou suspender fármacos com efeitos colaterais indesejáveis na boca (como citado por um profissional na opção “outros”), mostra indícios de conhecimento amplo por parte do médico, tendo-se em vista que a maioria das drogas mais freqüentemente prescritas para indivíduos idosos tem potencial de efeitos colaterais na boca (Paunovich et al.20, 1997).

Uma atitude preocupante revela-se em algumas condutas (5,9%) citadas na opção “outros”, como encaminhar problemas de origem nitidamente odontológica para profissionais de diversas especialidades médicas ou ter o hábito de examinar dentes e mucosas dos pacientes. Esses métodos revelam descrença na odontologia como promotora de saúde e tendência à auto-suficiência e onipotência, contrariando conceitos como os defendidos por Jacob Filho & Sitta 12 (1996), que definem a assistência à terceira idade como uma área de contato de muitas especialidades; na qual a troca de conhecimentos facilita a atuação de cada elemento do grupo dentro do conceito de “descentralização integrada”, onde cada profissional desempenha suas funções específicas dentro de um planejamento conjunto da equipe, com co-responsabilidade no processo de decisão.

Análises bivariadas e multivariadas

Com a intenção de verificar se o tempo de atuação clínica dos médicos, o fato de o profissional ter título de especialista na área gerontológica e o fato de atuar em equipe interdisciplinar com ou sem presença de cirurgião-dentista interferiram no número de alternativas marcadas na questão “de que formas um cirurgião-dentista poderia auxiliar numa assistência ampla ao idoso?”, foram realizadas regressões utilizando-se o teste t-student. Não houve relação estatística significativa entre as variáveis. O teste F-statistic, para todas as regressões, também não se mostrou significativo (Significância global estatisticamente desprezível). Isso pode se dever ao fato de que o conhecimento é um processo baseado nas experiências, esforços e interesses pessoais, não podendo ser mensurado como regra por títulos, tempo ou formas de atuação. Em especial, quanto à presença de cirurgiões-dentistas nas equipes, tornar-se-ia necessário avaliar a efetividade de atuação destes e intercâmbio com profissionais da área médica antes de se fazer qualquer sugestão ou afirmação.

O intercâmbio profissional indiscutivelmente representa um papel de fundamental importância, pois permite a divisão de responsabilidades, a partir do momento em que cada profissional passa a enxergar os limites da sua ciência e as possibilidades das demais. É esta a principal proposta da atuação interdisciplinar: propiciar que múltiplas áreas do saber, com diferentes propostas de trabalho e diversas formas de atuação, possam agir conjuntamente (Jacob Filho & Sitta 12, 1996).

Estudos sobre relacionamento interdisciplinar dos profissionais com formação voltada aos pacientes geriátricos são escassos na literatura. Nesse contexto, os resultados encontrados no presente trabalho podem ajudar a estabelecer este perfil entre médicos e cirurgiões-dentistas.

Conclusões

Os dados encontrados e suas possíveis interpretações abrem caminho para diversas reflexões sobre a assistência aos idosos, relacionadas a maiores necessidades de valorização do intercâmbio e interdisciplinaridade entre os profissionais da área gerontológica e de inclusão de cirurgiões-dentistas nas equipes de saúde, bem como quanto à necessidade de reformas curriculares nos cursos de graduação e pós-graduação da área de saúde, com enfoque e modelos de intervenções interdisciplinares para a formação profissional.

Consideramos, ainda, que mais estudos com abordagem na interdisciplinaridade fazem-se necessários para melhor elucidar a questão, como também a real implementação de políticas de atuação profissional interdisciplinares.

Referências

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*Maria Cecília Azevedo de Aguiar – Cirurgiã-dentista, Especialista em Odontogeriatria, Mestranda em Saúde Coletiva pela UFES. [email protected].

Fernando Luiz Brunetti Montenegro – Cirurgião-dentista, Mestre e Doutor pela Faculdade de Odontologia da USP. Coordenador dos Cursos de Especialização em Odontogeriatria da ABENO-SP, ABO-SP e Faculdade MOZARTEUM. Pesquisador mentor do Portal do Envelhecimento. [email protected]

Elizabete Regina Araújo Oliveira – Enfermeira, Doutora em Enfermagem; Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem da UFES; Professora do Mestrado Saúde Coletiva- UFES. [email protected]

Leonardo Marchini – Cirurgião-dentista, Mestre em prótese dentária pela UNESP-SJC e Doutorando em Microbiologia pelo ICB-USP, Professor de graduação da UNITAU e UNIVAP. Professor do Curso Especialização em Odontogeriatria da ABENO-SP. [email protected]

[1] Este trabalho é um resumo da Monografia de Especialização em Odontogeriatria, apresentada em Março de 2005 no 1º Curso de Especialização em Odontogeriatria de ABENO-São Paulo, pela Dra. Maria Cecília Azevedo de Aguiar, aprovada com nota máxima.

Observação: Os artigos postados nesta sessão são encaminhados pelo Dr. Fernando Luiz Brunetti Montenegro

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