Idoso cuidador

Idoso cuidador

É possível tornar o papel de cuidador idoso em algo prazeroso, cuja principal tarefa é o companheirismo, assim como a relação observada de “meu companheiro de viagem”, deixando todas as sobrecargas e estresse para trás, dando espaço para um dos melhores presentes da vida: a amizade.

 

Quinta feira, 7 horas da manhã, e lá estava eu, dentro do trem cheio, com destino ao Brás – SP. Assim que entrei no transporte, ouvi um senhor, que estava sentado, dizendo para mim: “Me dê a sacola mocinha, eu seguro para você” e então respondi: “Não precisa senhor, muito obrigada”. Eu com minha grande vontade de querer conversar com todos os senhores e senhoras que vejo pela frente, observei que ao seu lado tinha um outro senhor que aparentava ser mais velho que ele, acredito que tinha quase 80 anos, tendo uma diferença de 5 ou 6 anos entre eles. Os dois conversavam sobre construção, terrenos, tijolos, preços, e assim foi caminhando o assunto…

Em um determinado momento da viagem, eu acabei me desequilibrando, foi então que ouvi o senhor dizendo para seu amigo: “Eu avisei para ela que eu seguraria a sacola”, e imediatamente olhou para mim, foi então que, propositalmente, resolvi pedir: “Por favor, o senhor poderia segurar para mim?” E ele todo feliz e contente disse: “Claro que sim, fica mais fácil para você, né?”. Duas estações se passaram e surgiu um lugar para que eu pudesse me sentar. O senhor mais velho, imediatamente, me cutucou e disse: “Rápido moça, sente-se aí”. Sentei-me, peguei minha sacola e agradeci pela gentileza. Nesse momento, os dois começaram a conversar comigo e contaram praticamente toda sua vida profissional, e disseram que estavam indo encontrar o filho do senhor mais velho para comprar sapatos novos. Em um determinado momento, houve uma ligação, era o filho, querendo saber onde os dois estavam. O senhor mais velho deu o celular para o amigo e disse “fala aí com ele”, e o ouvi dizendo: “Oi… já estamos chegando, fique tranquilo, estamos bem, seu pai está bem aqui do meu lado, calma aí, é que o trem está devagar hoje… tudo bem, tchau, aguarde na Luz que encontramos você lá”!

Diante de todas as observações feitas por mim durante essa viagem, notei que no caso desses senhores, um estava fazendo companhia para o outro, como bons amigos, entretanto, o senhor que aparentava ser mais novo, estava desempenhando um papel de cuidador. Percebi isso pela sua postura quando atendeu o celular e disse “seu pai está bem aqui do meu lado”. Quando o trem parou, ele pegou no braço do amigo para apoiá-lo e ajudá-lo a se levantar e na escada da estação, sendo esta a minha última observação, ainda pude ouvi-lo dizer: “vamos pela escada rolante, fica mais fácil para você, tome cuidado para não cair”.

O cuidado

Esse fato levou-me a refletir sobre a importância da atenção aos idosos que cuidam de outros idosos, uma vez que tem sido cada vez mais comum encontrarmos sobrinhos, irmãos, filhos, primos, amigos, vizinhos, acima dos 60 anos, cuidando de familiares ou conhecidos, também considerados velhos. Isso se deve, principalmente, ao envelhecimento populacional e também ao fato de as famílias estarem diminuindo o número de filhos, dificultando, assim, o cuidado domiciliar.

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Segundo o Ministério da Saúde (2008) cuidado significa atenção, precaução, cautela, dedicação, carinho, encargo e responsabilidade. Cuidar é servir, é oferecer ao outro, em forma de serviço, o resultado de seus talentos, preparo e escolhas; é praticar o cuidado. Cuidar é também perceber a outra pessoa como ela é, e como se mostra, seus gestos e falas, sua dor e limitação. Ao perceber isso, o cuidador tem condições de prestar o cuidado de forma individualizada, a partir de suas ideias, conhecimentos e criatividade e também considerar as particularidades e necessidades da pessoa a ser cuidada.

O cuidado é necessário, entretanto, também é preciso uma atenção e preocupação a quem exerce essa tarefa. O papel de cuidador é uma tarefa que se soma a diversas outras atividades que estão presentes no dia a dia. O cuidador em si fica sobrecarregado, na maior parte dos casos, por ter que assumir sozinho todos os compromissos e responsabilidades que os cuidados exigem; junto a esse papel, existe o sofrimento emocional que a doença traz. Dessa forma, a sobrecarga sob o cuidador pode acontecer devido ao cansaço físico, depressão, mudanças na rotina, no convívio familiar e também social. Tratando-se de um idoso exercendo essa função, tais condições são ainda mais agravantes. Por isso, ter uma atenção à saúde desse idoso cuidador é imprescindível, uma vez que a sobrecarga poderá prejudicar sua qualidade de vida e a do enfermo que cuida.

A atenção dos profissionais da saúde nessa questão é fundamental, pois sem um auxílio a essas situações, o cuidador idoso sofrerá desgastes físicos e também psíquicos, como mostra o estudo de Rodrigues, Watanabe e Dernti, onde foram entrevistados idosos cuidadores de seus cônjuges e como resultados obtiveram a comprovação de que esses mesmos cuidadores apresentam de uma a quatro doenças crônicas, por vezes associadas a alguma incapacidade funcional. A presença de doenças crônicas como artrose, hipertensão, visão diminuída e insuficiência cardíaca estão diretamente ligadas à alteração da capacidade funcional para as atividades de vida diárias e para autocuidado. Dessa forma, o cuidador idoso, à medida que vai adquirindo incapacidades, tem cada vez mais dificuldade para cuidar de si mesmo e do outro, o que torna o casal ainda mais suscetível

Diante desse quadro, é que entra o papel dos profissionais da saúde, por meio de suas intervenções e relação com os pacientes, poderão ser traçados caminhos que passem pelo diálogo, reflexão, análise, acompanhamento familiar, na busca por alternativas que melhorem a qualidade do trabalho do cuidador e garantam o bem estar e uma melhor qualidade de vida para o paciente.

Para um trabalho de qualidade com esses cuidadores é imprescindível saber ouvir, conhecer suas necessidades, realidade e características que envolvem a família, para que assim possa prestar uma assistência

Saber ouvir as queixas desse idoso, bem como avaliar sua capacidade física e mental são indispensáveis, uma vez que a ausência delas dificulta ainda mais o seu papel, para auxiliar o paciente em suas atividades de vida diárias (AVD’s), como por exemplo: tomar banho, alimentação, vestuário, se locomover, entre outras. Além disso, se há um comprometimento na saúde do cuidador, isso prejudicará toda a rotina familiar, uma vez que de um enfermo, passarão para dois, o que atingirá ainda mais a estrutura familiar. Por isso, seguir as orientações da equipe multidisciplinar, é fundamental, pois ela será o caminho para orientações de como facilitar as tarefas desse cuidador, bem como formas de prevenir futuras doenças que podem aparecer devido ao trabalho inadequado.

Estar atento à saúde desses cuidadores é dar atenção a sua saúde e também da do idoso incapacitado, sendo esse aspecto o principal como colaborador e aliado em seu processo de recuperação. É fazer parte do processo de prevenção e ainda mais: atender a Política Nacional do Idoso, bem como seus direitos.

Dessa forma, é possível tornar o papel de cuidador idoso em algo prazeroso, cuja principal tarefa é o companheirismo, assim como a relação observada de “meu companheiro de viagem”, deixando todas as sobrecargas e estresse para trás, dando espaço para um dos melhores presentes da vida: a amizade.

Referências

Rodrigues, Sérgio Leandro Aquilas, Helena Akemi Wada Watanabe, and Alice Moreira Derntl. “A saúde de idosos que cuidam de idosos.” Rev Esc Enferm USP 40.4 (2006): 493-500.

Ana Beatriz Almeida

Graduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e Mestre em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: [email protected]

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Graduada em Terapia Ocupacional pela Universidade Estadual Paulista – UNESP e Mestre em Gerontologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: [email protected]

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