Idosas querem mesmo é contar sua história

Duas horas de bate-papo no sofá foram o suficiente para reduzir os tremores provocados pelo Mal de Parkinson, permitindo que transcorresse com normalidade a conversa com a senhora de pouco mais de 60 anos, moradora de um asilo em Brasília.

Fabiana Vasconcelos

 

O relato, da cientista social Mariana Marlière Létti*, ocorreu durante as entrevistas para a dissertação de mestrado defendida na Universidade de Brasília (UnB) intitulado Velhas (e) histórias: estudo sobre idosas em situação asilar. E levanta uma reflexão: qual a melhor forma de melhorar a qualidade de vida desse grupo?

Mariana não tem dúvidas de que uma simples conversa pode ter muito mais efeitos para o bem-estar delas do que o pacote de benefícios que as casas de repouso apregoam em seus anúncios. “A estrutura física pode ser excelente, mas o que falta é o encontro emocional.”

História
Segundo a pesquisadora, o bate-papo funciona como um meio de resgatar a dignidade que as idosas sentem ter perdido desde que entraram em um asilo. Nessas conversas, relembram sua atuação como mães ou donas de casa, resultado do papel atribuído a elas na sociedade.

A fala é sempre dominada por fatos do passado e pelos momentos em que se sentiam queridas ao cuidar da família ou exercer suas atividades domésticas, época correspondente ao período de suas vidas em que sentiam ter uma função e uma utilidade.

Dentro das casas de repouso, porém, todos esses papéis já não existem mais. Não têm os filhos para tomar conta, o marido já morreu e as limitações físicas comprometem o desempenho de atividades as mais simples. Além disso, não são mais a Dona Maria ou a Dona Francisca. Lá dentro, são apenas a “vovó”.

Para evitar o sofrimento, mudam rapidamente de assunto se a conversa trata do presente, ou do que virá a seguir. “Elas se recusam a falar do futuro, porque o asilo já é uma sala de espera da morte. Elas já absorveram essa ideologia”, diz Mariana.

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Embora a maioria tenha sido levada à casa de repouso pelos parentes, falam de sua ida como resultado da própria vontade. Mesmo quando admitem a participação de familiares, dissuadem a realidade que mais tarde se revela pelas conversas. “Elas não assumem que foi o filho, colocam a culpa na esposa dele, ou dizem que foi o marido da filha.”

E apesar de lá viverem, algumas mantêm a esperança de voltar para casa e aguardam, há anos, que se cumpram as promessas de que retornarão assim que terminar a reforma da antiga casinha, ou quando o filho conseguir um emprego melhor. Mas esse dia nunca chega, prolongando a estadia delas.

Foco errado
O principal achado da pesquisa, ou seja, a importância da conversa no bem-estar dos idosos, pode parecer simples. Mas esta não é a visão que parece predominar entre donos de asilos e familiares que tomam a iniciativa de levar um novo morador para esses locais.

Embora os idosos tenham a necessidade de serem ouvidos e amados, mantenedores e parentes visualizam que uma boa estadia é a infra-estrutura que colocam à disposição. Assim, não entendem porque os idosos estão infelizes se podem praticar esportes e participar de oficinas de trabalhos manuais.

Mariana explica que instalações adequadas, equipes de saúde e atividades vivenciais têm sua importância. Falta, porém, um item que nunca aparece na publicidade dos asilos: o afeto.

Prisões sem grades

O sociólogo canadense Erving Goffman chamou de instituições totais as entidades em que as pessoas estão isoladas do mundo, sejam prisões, manicômios ou conventos. Para Mariana, a definição também cabe aos asilos. “Não existem grades, mas sim uma pressão psicológica para que eles não saiam de lá, porque são indesejados para a sociedade, o que caracteriza o seu fechamento”, diz. O mestrado da antropóloga foi orientado pelo professor Klaas Axel Woortmann.

*Mariana Marlière Létti é mestre em Antropologia Social pela Universidade de Brasília (UnB), mesma instituição em que concluiu a graduação em Antropologia. E-mail [email protected].

Marcelo Jatobá/UnB Agência

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Fonte: Secretaria de Comunicação da UnB. Acesse Aqui 

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