101 anos bem vividos

A reportagem liga para a casa de Francelino Dias, 101 anos, tentando marcar uma entrevista. Quem atende o telefone é o próprio, em português claro, bem articulado e polido. “Pois não? Com quem o senhor gostaria de falar?”.

André Simões 

 

Francelino fumou até a década de 80, mas nunca abriu mão dos exercícios e da alimentação saudável

O vigor de Francelino serve como ilustração perfeita dos índices de longevidade divulgados por dados preliminares do Censo 2010. A previsão é de que, ao final do levantamento, o número de pessoas com mais de 100 anos deve ultrapassar os 25 mil.

A melhora do sistema de saúde nos últimos anos, com praticamente toda a população tendo acesso a medicamentos e a exames preventivos, ajuda a explicar o envelhecimento do brasileiro médio. Mas se a longevidade já é admirável por si própria, a lucidez e disposição de Francelino demonstram como é possível ultrapassar os 100 anos vivendo plenamente, em ótimas condições ¿ não apenas sobrevivendo.

Nascido em 5 de agosto de 1909, Francelino continua firme e forte depois de ter visto duas guerras mundiais, a implantação e os estertores do regime comunista, 24 homens se revezando na Presidência do Brasil… Mais importante do que os fatos presenciados, no entanto, é o legado de trabalho que deixou para seus descendentes: 11 filhos, 31 netos, 41 bisnetos e dois tataranetos, grande parte destes reunidos no ano passado em festa para celebrar o centenário do patriarca.

De Minas
Francelino veio em 1945 de sua cidade natal, Rio Pardo (MG), para Maringá, quando a cidade nem havia sido batizada. Recém-casado com sua esposa Rita (falecida em 1986), viu no norte do Paraná uma chance de prosperar com sua família, trabalhando na lavoura de café e também exercendo a atividade de pedreiro.

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Depois de muita labuta, aposentou-se por invalidez na década de 1970, devido a problemas na coluna. Mesmo assim, consegue caminhar sem auxílio, com desembaraço maior do que muitos homens 40 anos mais jovens. Há 14 anos, mudou-se de Maringá para Sarandi. Vive com a filha caçula Luci, 49, seu cunhado e dois netos. Luci não esconde o orgulho ao falar do pai. “Ele me ensinou muita coisa e continua ensinando até hoje, um exemplo de luta e trabalho.”

Sem segredo
Devido a um congestionamento, a reportagem se atrasa mais de meia hora para a entrevista marcada com Francelino. Qual não é a surpresa ao encontrá-lo sentado placidamente numa cadeira de plástico em sua varanda, comendo uma banana ao cair da tarde. São ensaiadas algumas desculpas, mas nem Luci nem Francelino parecem incomodados.

“Como vai o senhor? Obrigado por vir me visitar.” Ser chamado de “senhor” por um homem com o quádruplo da idade é um pouco estranho, mas serve como cartão de visitas da elegância de Francelino, sempre respondendo às perguntas de maneira clara.

Ante um homem demonstrando tanta força, algumas perguntas são inevitáveis: qual o segredo da longevidade? “Não tem segredo nenhum”, responde, sucinto. De fato, o modo de vida sustentado por Francelino durante muitos anos não corresponde exatamente ao modelo recomendado por médicos e profissionais da saúde. O centenário confessa que “bebia muito” e fumou até a década de 1980.

“Graças a Deus nada disso me prejudicou. Acendia o cigarrão de palha e só apagava na hora de dormir.” Ouvindo suas confissões, a filha Luci deixa escapar outro pecadilho de seu pai: Francelino até hoje não dispensa uma cervejinha. “Mas é só aos domingos. Uma latinha pode, né?”, pergunta, entre risos.

Mas que tire o cavalo da chuva quem pensa que dá para viver bons 100 anos apenas com desregramento: Francelino compensou alguns excessos com uma vida de muita atividade física e alimentação balanceada. “Até hoje o que meu pai prefere são frutas, saladas, iogurte”, diz Luci ¿ flagrá-lo comedo banana na varanda não foi mera coincidência.

O centenário faz questão de se manter informado sobre o mundo. Acompanha o noticiário e não se furta a dar opiniões políticas quando estimulado. “O Lula é um bom presidente, conseguiu vencer vindo de baixo. Mas ainda não bate Getúlio Vargas, esse sim foi um grande homem, fez um governo seguro.”

A única nota de lamento escapa quando compara a Maringá de hoje com a que conheceu na década de 1940. “No meu modo de pensar, o sossego era outro, não tinha essa correria, hoje em dia há muita malvadeza.” Francelino fica alguns segundos em silêncio para dar seu veredicto: “ainda assim é uma ótima cidade”.

 

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